segunda-feira, 19 de junho de 2017

A culpa da grande mídia ao tratar da Lava Jato




O artigo Considerações sobre a mani pulite, escrito por Sérgio Moro em 2004, é um elogio à operação Mãos Limpas, investigação judicial que aconteceu na Itália na década de 1990. Principal inspiração da Lava Jato, a Mãos Limpas teve um resultado desastroso sob os pontos de vista político e econômico: a Itália tem um dos índices de corrupção mais altos da Europa, e o PIB é praticamente o mesmo de 12 anos atrás. Naquele texto, o juiz paranaense afirma que a mídia teve um papel decisivo durante a operação: “minar” a imagem dos réus junto à opinião pública, deslegitimando os argumentos da defesa.

“A investigação da mani pulite (Mãos Limpas) vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no L’Expresso, no La Republica e outros jornais e revistas simpatizantes”, descreve Moro na terceira página do artigo. “Os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva. (…) O processo de deslegitimação foi essencial para a própria continuidade da operação mani pulite”.

Olhos abertos

A exemplo do que Sérgio Moro constatou sobre a operação Mãos Limpas, a imprensa brasileira também contribui para o avanço da operação Lava Jato. Ao alimentar boatos sem a devida checagem, promover vazamentos seletivos e “condenar” os réus antes mesmo da sentença judicial, o noticiário brasileiro tem sido um prato cheio para pesquisadores especializados em ética jornalística.

Professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) aposentada em 2016, Sylvia Moretzsohn estuda as relações entre a ética e os dilemas do jornalismo. Segundo ela, é natural que os interesses das empresas de comunicação interfiram nas coberturas, mas os jornais deveriam preservar o senso crítico e a checagem rigorosa das informações.

“O jornalismo não se justifica se não defender causas. O problema é como as defende, se é panfletário ou não. É preciso conciliar isso com uma postura rigorosa na apuração, na divulgação, e não é isso que a gente está vendo”, analisa a pesquisadora. “A mídia passou a reproduzir a ideia de que ‘nunca se roubou tanto’ quanto nos governos PT. E a intenção foi clara: derrubar o governo (Dilma) e fazer um acordo em favor de interesses (econômicos) que estavam sendo suavemente contrariados”, completa.

Superficialidade

Questionada sobre a cobertura da Lava Jato após o golpe de 2016, Moretzsohn afirma que a “fórmula” é a mesma desde 2005, quando veio à tona o caso Mensalão. “É a partir daí que a coisa começa a degringolar de maneira escandalosa: a espetacularização da Justiça, a proeminência do Judiciário como ator político”, critica. “O Mensalão já tem a figura do juiz ‘salvador da pátria’, que foi o Joaquim Barbosa, mas a Lava Jato radicaliza isso, principalmente devido ao juiz de primeira instância, que mais de uma vez optou por condenar sem provas – como no caso do (José) Dirceu. Ele (Moro) está seguindo rigorosamente o script que descreveu no artigo em 2004, de usar a mídia em favor da operação”.

Em meio ao “fla-flu” ideológico, a pesquisadora lamenta que o jornalismo brasileiro apenas reforce o senso comum, apostando em colunistas políticos que associam a Lava Jato a uma luta “do bem contra o mal” – que supostamente levaria ao fim da corrupção. “A responsabilidade de qualquer jornal que não seja fascista é não dar espaço a essas vozes superficiais, que só reproduzem ódio”, acrescenta a pesquisadora. “O respeito à ética é importante, mas não temos um conselho de ética com poder efetivo. Seria interessante se houvesse uma legislação de imprensa que garantisse a liberdade e punisse gravemente essas práticas, que se avolumam na nossa história recente”.

O Observatório da Ética Jornalística (ObjETHOS), vinculado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), possui uma equipe de vinte pesquisadores, responsáveis por publicar dossiês, artigos e comentários semanais sobre a cobertura da imprensa brasileira e internacional. A operação Lava Jato é um tema recorrente no portal do Observatório, justamente por ocupar a maior parte do noticiário político do país desde 2015.

Procurador da Lava Jato deveria pedir desculpas. Por Joaquim de Carvalho

Já que o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima gosta de usar o Facebook, para comentários sobre política e desabafos, ele bem que poderia ser o primeiro a pedir desculpas a Dilma Rousseff por ter colaborado, conscientemente ou não, para tirá-la da presidência da república.
Em uma de suas mais recentes postagens, ele diz:

Infelizmente, entretanto, algumas das pessoas que nos apoiavam o fizeram por motivos mesquinhos ou ingênuos. Os primeiros queriam apenas substituir um partido pelo seu próprio partido, sem qualquer pretensão de buscar o bem comum.

O fato é que a Lava Jato contribuiu, decisivamente, para o resultado do jogo político.

Carlos Fernando não sabia que os policiais federais que trabalharam ou trabalham com ele militavam nas redes sociais em favor da campanha de Aécio Neves a presidente? Igor Romário de Paula, um dos delegados que chefiam a Lava Jato, pediu votos nas redes sociais para Aécio e participou de um grupo no facebook chamado Organização de Combate ao Crime Organizado. A imagem do grupo mostrava Dilma com dois dentes para fora da boca e o selo “Fora, PT!”.

Em uma das postagens, que mostravam Aécio rodeado de mulheres, escreveu: “Esse é o cara!!!!!”

Ele também compartilhou link de uma revista inglesa (Economist), que defendia o voto em Aécio: “Brasil precisa se livrar de Dilma e eleger Aécio”.

A jornalista Júlia Duailibi, do Estadão, relatou este e outros exemplos de militância em favor de Aécio no interior da Lava Jato. “Alguém segura essa anta, por favor”, declarou o delegado Marcio Anselmo, ex-coordenador da Operação Lava Jato, em uma notícia cujo título era: “Lula compara o PT a Jesus Cristo”.

Como cidadão, a manifestação é livre, mas, para policiais que trabalhavam na investigação de corrupção nas estatais do governo, declarar apoio a Aécio significava fechar os olhos para o que já se sabia da participação do PSDB nos esquemas de roubalheira.

A Lava Jato foi seletiva contra o PT e contra um ou outro membro do PMDB até que, em Brasília, a equipe de Rodrigo Janot escancarasse as portas que blindavam Michel Temer, Aécio Neves e outros tucanos.

O que foi feito com a informação, contida na delação de Nestor Cerveró, de que o filho de Fernando Henrique Cardoso, Paulo Henrique, foi beneficiário da corrupção na Petrobrás? Ele prestou depoimento? Teve sigilo quebrado, como aconteceu com os filhos de Lula?

Duas fotos são simbólicas desse momento em que a Justiça, principalmente em Curitiba, se apresenta com dois pesos e duas medidas. Em uma, Moro aparece sorridente conversando ao pé do ouvido com Aécio. Em outra, ele sorri feliz no cumprimento a Michel Temer.

A Lava Jato de Curitiba foi tudo, menos republicana.

Comparando as datas das principais fases da operação com o calendário eleitoral ou das manifestações, encontra-se uma sincronia.

Por exemplo, no dia 6 de março de 2016, Moro determinou a condução coerciva de Lula, sexta-feira da semana anterior a uma manifestação programada pelos movimentos anti-PT – o pretexto era corrupção, mas a motivação era outra: vingar-se da derrota eleitoral de 2014.

Os líderes das manifestações em todo o Brasil comemoraram o que chamaram de injeção de ânimo dada pela Lava Jato com aquela condução coercitiva.

Um deles, Syllas Valadão, de um movimento chamado Patriotas, disse que a presença do público nas ruas dobraria graças à força dada pela turma de Curitiba.

E foi o que aconteceu.

Era uma manifestação de enorme maioria branca e de classe média. Mas, para quem queria uma foto de muita gente na rua para justificar a derrubada da presidente, isso não importa. Era o que faltava para impulsionar o golpe.

Com o apoio dos antigos adversários de Dilma e do PT, Michel Temer mudou de lado e assumiu, pouco depois, o Palácio do Planalto. E do palácio ele não quer sair, apesar do selo que carrega na testa: “chefe da quadrilha mais perigosa do Brasil”, como definiu o corruptor confesso Joesley Batista, na entrevista à revista Época. Michel Temer tem, a seu favor, o silêncio cúmplice dos ex-batedores de panela.

Em 26 de setembro de 2016, também na sexta-feira da semana anterior às eleições municipais, a Lava Jato prendeu Antônio Palocci, ministro da Fazenda de Lula.

O ministro da Justiça de Temer na ocasião, Alexandre de Moraes, deixou um registro histórico, ao antecipar para militantes do MBL em Ribeirão Preto que haveria uma grande operação na véspera da eleição. “Vocês vão se lembrar de mim”, disse ele, com um sorriso maroto, conforme captaram câmeras de celular dos militantes de direita.

A vitória do PSDB, partido a que o ministro Alexandre de Moraes era filiado, e a derrota do PT devem, em grande medida, à repercussão da prisão de um dos nomes mais expressivos do PT. Quanto a prisão de Palocci contribuiu para que não houvesse segundo turno em São Paulo e Doria vencesse com facilidade?

Óbvio que ninguém defende a impunidade – se há motivos para Palocci ser investigado, processado ou até mesmo preso, que seja –, mas parece evidente que o relógio da Lava Jato de Curitiba parecia sincronizado com as ações da direita no Brasil.

No desabafo postado no Facebook, Carlos Fernando dos Santos Lima diz que algumas das pessoas que os apoiaram o fizeram por motivos mesquinhos ou ingênuos. E sobre ele próprio e os demais membros da Lava Jato de Curitiba? Ao conduzir uma investigação e um processo que, ao final e ao cabo, serviram para derrubar Dilma e agora interditar Lula, o fizeram por ingenuidade ou mesquinharia?

Ou existe outra motivação?

Aécio Neves: Por que a prisão provisória é negra e pobre no país? Por Leonardo Sakamoto

Caso o Supremo Tribunal Federal negue o pedido de prisão provisória do senador (afastado) Aécio Neves (PSDB-MG), no âmbito do inquérito aberto por suspeita de corrupção e obstrução de Justiça, a corte deveria aproveitar o momento e também ordenar a revisão imediata da situação dos 221 mil presos que não contam com sentença definitiva, muitos dos quais acusados de crimes que não envolveram violência direta, e garantir que respondam em liberdade.

Não estou dizendo que o senador é culpado. Mas há centenas de milhares de pessoas que, como ele, afirmam que também não são, mas seguem presas sem terem sido consideradas culpadas.

No último balanço do próprio governo federal, o país contava com 250 mil presos sem condenação em qualquer instância em 2014. Levantamento, deste ano, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que os presos provisórios representam, ao menos, 34% da população carcerária. O tempo médio de prisão provisória é alto: de 172 dias em Rondônia a 974 dias em Pernambuco. Do total, 29% dos provisórios são acusados de tráfico de drogas, 7% de furto e 4% de receptação. Homicídios respondem por apenas 13% do total. Quase 40% são absolvidos logo na primeira instância de julgamento. Ou estamos punindo injustamente inocentes ou colocando pessoas que cometeram delitos mais leves para ”estudar” em cadeias superlotadas.

Do ponto de vista estatístico, as chances de uma pessoa como o senador são maiores de esperar o final de uma investigação ou de um julgamento em liberdade: ele é influente, branco, rico e tem bons advogados. E a maioria dos presos provisórios é anônima, negra, pobre e sem advogados constituídos.

Um levantamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo apontou que, do total de homens que deram entrada em centros de detenção provisória e responderam ao questionário, 62% tinham até 29 anos, 65% se declararam negros e 81% não tinham advogado. Entre as mulheres, 64,5% se declararam pretas ou pardas, 60,7% até 29 anos e 80% não contava com advogado.

Um pedido semelhante a esse do primeiro parágrafo deste texto já foi feito e aguarda análise do STF.

Em maio, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos solicitou ao Supremo Tribunal Federal um habeas corpus coletivo para que todas as gestantes ou mães de crianças de até 12 anos que estejam em situação de prisão provisória possam ser beneficiadas com prisão domiciliar – como prevê a legislação. Os advogados do Cadhu usaram como justificativa a decisão concedida em nome de Adriana Ancelmo, esposa do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.

Ela, que era acusada de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato, chegou a ficar presa, mas foi solta após a defesa argumentar que um de seus filhos tem 11 anos de idade. Ela acabou absolvida pelo juiz federal Sergio Moro.

”O caso de Adriana Ancelmo expôs a enorme seletividade do sistema de Justiça, inclusive do Ministério Público e do Judiciário”, afirmou Eloísa Machado, professora da FGV Direito SP, coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta e membro do coletivo de advogados, a este blog na época.

Para ela, entre as razões da Justiça ser seletiva está o fato do Brasil ser um ”país racista e desigual” – o que contamina as instituições que devem executar a legislação. ”Uma parte da população usufrui as garantias do estado de direito e outra não. Isso não se resolve deixando de aplicar a lei a todos, mas ao contrário.”

Seria ótimo democratizar o acesso aos direitos no Brasil. Mas ele, pelo visto e com algumas raras exceções, continua uma questão de classe.


http://municipiosbaianos.com.br/noticia01.asp?tp=1&nID=35120&tema=politica

Fonte: O Cafezinho/DCM/BlogdoSakamoto/Municipios Baianos

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