domingo, 26 de novembro de 2017

Morre o frei da Libertação do sul e sudeste do Pará

Henri des Roziers morreu neste domingo e serviu de referência para o atual advogado da CPT no sul do Pará, José Batista Afonso

Frei Henri enfrentou os poderosos das florestas no sul do Pará por longas décadas e ajudou a transformar a realidade de pequenos agricultores

Frei Henri des Roziers faleceu, na tarde deste domingo (26), na mesma Paris em que nasceu há 87 anos. Advogado de formação e dominicano por vocação, tornou-se um dos maiores defensores dos direitos dos trabalhadores rurais e camponeses na região de fronteira agrícola da Amazônia brasileira. Ele foi umas das referências para o atual advogado da CPT (Comissão Pastoral da Terra) na região, José Batista Afonso.

Esse homem magro, de fala mansa e andar compassado tornou-se referência no acolhimento de vítimas do combate ao trabalho escravo e na denúncia desse crime à Justiça e ao mundo. Mas também tornou-se um dos principais atores na luta pela reforma agrária, contra a impunidade dos ricos detentores de terras e pelo fim das arbitrariedades policiais.


A morte de Henri, decorrente do agravamento de seu estado de saúde (ele havia sofrido acidentes vasculares cerebrais e tinha uma miopatia congênita, que paralisava seus músculos), apesar de trazer um vazio a todos seus amigos – grupo ao qual, orgulhosamente, me incluo – não deixa de ser uma vitória. Pois nenhuma das várias ameaças que recebeu e nenhuma das tentativas de assassinato que sofreu conseguiram impedir seu trabalho.


Ou seja, o fato de Henri ter deixado a vida por conta própria é uma humilhante derrota para o rosário de grileiros, madeireiros ilegais, escravagistas e latifundiários inescrupulosos do Pará e do Tocantins que planejaram sua morte. Mas, ao mesmo tempo, não pode ser visto como uma vitória de nossa frágil democracia. Porque ele sobreviveu apesar da incompetência do Estado brasileiro em garantir a vida aos defensores de direitos humanos em uma região regada periodicamente com sangue.


Henri, descendente de uma nobre família francesa que escolheu lutar ao lado do povo, incomodou muita gente. E fez com que a Amazônia fosse um lugar menos injusto para se viver.


Formado em direito e com um PhD em Direito Comparado, pela Universidade de Cambridge, Henri foi ordenado sacerdote em 1963 – cinco anos antes de participar dos protestos de estudantes e trabalhadores em Maio de 1968 nas ruas da capital francesa. Vem ao Brasil em dezembro de 1978, quatro anos após frei Tito ter cometido suicídio durante seu exílio, na França, como consequência da tortura que sofreu do delegado Sérgio Paranhos Fleury.

''Cheguei ao Brasil no fim de 1978. Em 1979, vim para cá acompanhando um agente pastoral ao Bico do Papagaio [norte do atual Estado do Tocantins]. É terra sem lei. Os posseiros totalmente oprimidos, pequenos, não tinham uma organização mínima. Queriam minha expulsão do país.''


Durante anos, Henri foi a única assessoria jurídica dos trabalhadores nessa região. A violência na região tem uma origem histórica. Durante a ditadura militar, o governo federal concedeu uma série de subsídios financeiros a empresas para que se instalassem na Amazônia, garantindo também infraestrutura e segurança aos seus empreendimentos. Isso foi feito sem a ordenação da divisão das terras ou instalação de serviços essenciais que garantissem os mesmos direitos de ocupação para pequenos colonos e posseiros. Com isso, a Amazônia tornou-se uma região livre para grandes empreendimentos, grandes fazendas e seus interesses, em que o poder econômico faz a lei. Entre 1971 a 2006, foram registrados no Estado do Pará, 814 assassinatos no campo, dos quais a grande maioria permaneceu sem apuração.


Frei Henri des Roziers chegou a andar com proteção policial 24 horas por dia. No dia 18 de outubro de 2007, chegaram informações à Polícia Militar no município de Xinguara, Sul do Pará, que pistoleiros haviam contratados para assassinar Henri por R$ 50 mil.

Em 1990, Henri planejou mudar-se para a América Central a fim de desenvolver por lá o mesmo trabalho que fazia na Amazônia. Mas acabou se estabelecendo no município de Rio Maria (PA) a fim de ajudar o padre Ricardo Rezende após o assassinato, a tiros, de Expedido Ribeiro de Souza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria.


''Henri é uma das figuras singulares, únicas, que têm a vida marcada pelo compromisso com os mais pobres. Teve uma atuação marcante pela proteção dos migrantes, na França nos anos 60. E durante 35 anos, lutou pelos camponeses e os trabalhadores em uma região que matava e escravizava'', lembra Ricardo Rezende.


Em uma de nossas conversas, ele me contou sobre essa época: ''Acompanhamos, por exemplo, toda a apuração, o processo e o julgamento dos assassinos dos sindicalistas da região de Rio Maria nos anos 80 e 90. Os fazendeiros resolveram acabar com o sindicato dos trabalhadores de Rio Maria e assassinaram uma série de presidentes. Nessa época, era um dos sindicatos mais atuantes da região. Foi assassinado o primeiro presidente em 1985. Depois, foi a vez de um dos líderes em 90 e seus dois filhos, que eram do sindicato, o terceiro saiu ferido. Foi assassinado, em 90, um diretor. E, em 91, o sucessor dele, além de baleados outros. Passei da região do Bico-do-Papagaio para aqui [Xinguara] a fim de ajudar na apuração desses crimes. Tem dado um trabalho enorme até hoje, mas conseguimos que todos os pistoleiros fossem a júri. Vários foram condenados. Todos fugiram.''


A Teologia da Libertação, linha da igreja católica que acredita que a alma só será livre se o corpo também for, tem sido uma pedra no sapato de quem lucra com a exploração do seu semelhante na periferia do mundo. Na prática, esses religiosos católicos realizam a fé que muitos não querem ver retirada do livro sagrado do cristianismo. Para traduzir, nada como uma citação atribuída ao já falecido Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, que lutou contra a ditadura e esteve sempre ao lado dos mais pobres: “Se falo dos famintos, todos me chamam de cristão, mas se falo das causas da fome, me chamam de comunista”.


Henri recebeu a condecoração de cavalheiro da Legião de Honra, do governo francês, em 1994, um dos tantos prêmios que ele recebeu. Após um dos AVCs que sofreu, foi transferido, a contragosto, para um hospital particular em São Paulo. Lembro do seu incômodo por estar lá. Achava que estava sendo mimado. Queria estar no mesmo hospital usado pela população com a qual convivia diariamente. Não por populismo ou a fim de provar algo para ninguém, ele não precisava. Mas porque sentia que aquele não era seu lugar.


Em 2013, profundamente debilitado pela doença, Henri voltou para sua terra natal e permaneceu no convento de Saint-Jacques até sua morte.


Frei Xavier Plassat, francês como Henri, coordena a campanha nacional da CPT para o combate ao trabalho escravo e está há décadas no Brasil. Foi ele quem me trouxe a notícia de sua morte. Desabafou: ''Henri tinha como mestre Bartolomeu de las Casas, dominicano e defensor dos indígenas escravizados, que viveu no século 16. Tinha dele a paixão irredutível, incansável, eficaz. Paixão e compaixão. Uma pessoa que sabia chorar de indignação e denunciar os potentados, sem medo. Dele, é o Deus do canto do Magnificat: 'Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos'. Henri foi quem me conduziu aqui no Brasil. Grato para sempre, Henri, meu irmão''.


Ao receber o Prêmio Internacional de Direitos Humanos Ludovic Trarieux, em 2005, mesmo reconhecimento dado a Nelson Mandela, ele afirmou: ''Neste mundo globalizado em que vivemos a loucura do consumo, neste mundo da injustiça e da desigualdade, da destruição da criação e, consequentemente, da vida, é essencial retomarmos consciência dos valores fundamentais da existência, da diversidade, da solidariedade, da relação com a natureza, de uma outra relação entre Norte e Sul, para podermos embasar a esperança de que um outro mundo é possível e nos motivarmos a construí-lo''.


Uma pessoa assim não morre. Eu que não tenho a mesma fé de Henri, acredito que ele sim atingiu a imortalidade. Viverá para sempre como um dos capítulos mais bonitos da história brasileira. (blog do Sakamoto – publicado originalmente no www.uol.com.br)


https://www.correiodecarajas.com.br/post/morre-o-frei-da-libertacao-do-sul-e-sudeste-do-para

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Redações à beira de um ataque de nervos



Em artigo para o Portal Comunique-se, o “Mestre do Jornalismo” Heródoto Barbeiro coloca em pauta a situação enfrentada por redações


As redações estão à beira de um ataque de nervos. As informações para serem transformadas em notícias chegam por vários canais. Pela reportagem, apuração, os mais variados sites e plataformas digitais, releases físicos ou virtuais, e também pelo Facebook, Google ou WhatsApp. Este não para de divulgar informações de origem pública, de outros veículos, de grupos com participantes pré selecionados ou de mensagens individuais. Pessoas e telefones que nunca vimos, de repente, aparecem no celular e trazem uma informação que aparentemente pode ser transformada em notícia.

Será verdade? Era mais fácil avaliar antes da teia de comunicação informacional se estruturar. A identificação da fonte era o primeiro passo para atestar se o que chegava era falso ou verdadeiro. Se estava exposto em um veículo de credibilidade, meio caminho andado. Ainda assim é preciso averiguar. E se o colega errou? Com o advento das mídias sociais há uma verdadeira avalanche de informações que brotam durante todo o dia e uma boa parte delas, falsas. Umas dolosamente falsas. O primeiro alvo é e reputação de pessoas, de preferência conhecidas; marcas, de preferência globais; instituições, de preferência de entidades que tem uma determinada posição sobre assuntos polêmicos.

“As redações estão à beira de um ataque de nervos. As informações para serem transformadas em notícias chegam por vários canais”


Khadafi morreu. Vários veículos consultados confirmam a informação e que já se transformou em notícia. Trump mandou tirar o busto de Martin Luther King do salão oval da Casa Branca. Com a fama que o histriônico americano tem, só pode ser verdade. Não era. A fonte, um repórter da revista Time errou. E a montanha de coisas que chega via WhatsApp? O político fez uma ligação que foi grampeada e nela conta como conseguiu milhões para suas despesas pessoais e o que sobrou aplicou na campanha. A precariedade, a diminuição de jornalistas na redação, a pressa de divulgar antes da concorrência não justificam divulgar, ou reproduzir a informação sem boa dose de apuração. É preciso checar nome, endereço, evidências em contrário, identificar a fonte se for possível.

A origem pode ser de um adversário ou de um bot à serviço sabe-se lá de quem e qual causa. Por isso o risco é maior consideradas as transformações pelo que passam os veículos e os jornalistas. Não é fácil estar atento para investigar evidências e pistas que vão contra o palpite, ou preferência pessoal do jornalista. Este precisa identificar as bolhas de informação especialmente as que lhe são simpáticas e comungam com a sua visão de mundo, aquela que gosta de ouvir e falar para fortalecer sua convicção.


Redações contra fake news


Será verdade? É possível conter a histeria de divulgar algo que parece que vai causar grande impacto no púbico alvo, promover o veículo ou plataforma que carregou e notícia e dar notoriedade ao jornalista ? Nunca o ditado dito por minha vó foi tão útil: quem tem pressa come cru. Contemplar os vários lados e pontos de vista ajuda, é preciso separar, como dizia o velho Mark Twain, o joio do trigo. O que de fato aconteceu e o que é ou fantasia, ou notícia falsa? Fake news já fazem parte de dicionário da língua inglesa. Mais do que nunca o jornalista tem que usar o ponto de interrogação como instrumento de trabalho diário.

Diante da realidade da confluência de mídias uma notícia não espera mais 24 horas, ou uma semana para chegar em uma banca de jornal ou na porta da casa de um assinante. Ela pulula na tela do celular com sinal sonoro, e viaja de metrô, ônibus e em alguns casos, de avião. O gesto de ler, ouvir, ver é imediato. Mesmo sorrateiramente durante uma palestra ou uma aula na escola. O impacto também é imediato e daí sobrevém o compartilhamento nas redes pessoais. Não se pode esquecer que com a tecnologia à disposição dos proprietários de smartphones qualquer pessoa pode se tornar um repórter ou editor. Se o seu público vai aceitar ou não o que divulga depende do seu chapéu de reconhecida credibilidade.

https://portal.comunique-se.com.br/redacoes-beira-de-um-ataque-de-nervos/?info

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

O sabor do saber – artigo de Tom Coelho

OPINIÃO

(Imagem: Reprodução/Pixabay)


A educação perdeu o sabor. E é curioso constatar isso quando desvendamos pela etimologia que as palavras sabor e saber têm a mesma origem no verbo latino sapare.

Apagão de mão de obra, vagas de estágio que não conseguem ser preenchidas, desqualificação profissional. Tudo isso é reflexo da crise de nosso modelo educacional, indicando um abismo entre o que as escolas entregam e o que as empresas demandam. A academia está distante e desalinhada do mundo corporativo.

É indiscutível que devemos promover uma “cruzada pela educação”. Vender a ideia da educação para o Brasil, colocando-a como prioridade, ao lado da saúde e da ciência e tecnologia, nas discussões orçamentárias e de planejamento estratégico nacional. Criar o conceito de responsabilidade educacional e infligir com a perda do mandato prefeitos que desviam recursos das salas de aulas para a construção de estradas e outras finalidades que lhes conferem capital político mais imediato. E investir no docente, sua formação e sua remuneração, pois a chave da boa escola é o professor.

Todavia, mesmo diante de toda esta breve argumentação, minha conclusão mais precisa é que o problema da educação está na escola que ficou chata, perdeu a graça, não acompanhou a evolução do mundo moderno. O aluno não vê aula, quando vê não presta atenção, não se aplica nos deveres de casa e vai mal nas provas. Lembra-me aquela máxima marxista: uns fingem que ensinam, outros fingem que aprendem. Esqueceram-se apenas de avisar ao mercado desta combinação.

São estes alunos que serão reprovados num simples processo seletivo. E serão eles que, gerenciando companhias ou decidindo empreender um negócio próprio, engordarão as já elevadas estatísticas de insucessos empresariais.

A educação perdeu o sabor. E é curioso constatar isso quando desvendamos pela etimologia que as palavras sabor e saber têm a mesma origem no verbo latino sapare. O conhecimento é para ser provado, degustado. É como se a cabeça (o estudar) estivesse em plena consonância com o coração (o gostar).
Cozinhando palavras

O que me faz avançar madrugada adentro postado diante de uma tela, digitando em um teclado, com música ao fundo e pensamento ao longe, produzindo artigos como este? A resposta está no desejo de escrever um texto que traga prazer ao leitor tal qual o banquete preparado por um cozinheiro a seus convidados.

Todo escritor tem duas fontes de inspiração: uma musa e outros escritores. Minha musa é o próprio mundo, uma obra de arte, um livro dos mais belos para quem o sabe ler. Já meus “padrinhos” são tantos que não posso colocar-me a relacioná-los. Acabariam as laudas, faltaria paciência ao leitor e eu incorreria invariavelmente no pecado capital da negligência, deixando de citar nomes por traição da memória.

Rubem Alves é um destes nomes. Vem dele a inspiração desta metáfora que envolve escritores e cozinheiros. Minha cozinha fica numa sala. Minha bancada é uma mesa. Meu fogão é um computador. Minhas panelas são minha cabeça. Meus ingredientes são as palavras. Vou selecionando-as, misturando-as e provando de seu resultado. Saboreio com os olhos e cuido para que temperos em excesso não comprometam outros sabores.

Há dias em que estou tomado pela culinária italiana. Então produzo textos encorpados que alimentam a consciência e que pedem uma taça de vinho tinto, cor de sangue, de contestação. Corpo e sangue. São os momentos de questionamento da ordem, este prazer da razão, banhado pela desordem, esta delícia da emoção.

Em outros dias, sinto-me inspirado pela cozinha francesa. É quando me torno econômico no uso dos ingredientes, mas extravagante no uso dos temperos. É quando surgem os textos mais leves na forma e mais profundos em seu conteúdo, convidando todos a uma demorada reflexão.

Assim sucedem as semanas, sucedem os artigos. A cada semana um prato novo. Alguns nascem naturalmente, demandam pouco tempo de cozimento. Outros, por sua vez, ficam dias no forno. Consomem quantidade incrível de palavras. Letras que vêm e que vão. Chegam mesmo a queimar os dedos, mas finalizá-los tem seu propósito ao imaginar a satisfação de quem os lerá estampada no brilho dos olhos, no sorriso de canto de boca.

Assim entrego-me a este ofício, marchando pitagoricamente com o pé direito para as minhas obrigações e com o pé esquerdo para os meus prazeres, tendo a certeza de que o escrito com esforço será lido com apreciação.

Paul Valéry dizia que um homem feliz é aquele que, ao despertar, reencontra-se com prazer, reconhecendo-se como aquele que gosta de ser. Saber o que se é e o que se deseja ser: quanto sabor há nisso!




Tom Coelho é educador, palestrante em gestão de pessoas e negócios, escritor com artigos publicados em 17 países e autor de oito livros.

https://portal.comunique-se.com.br/o-sabor-do-saber-por-tom-coelho/


Símbolo contra Belo Monte recebe prêmio por defesa do meio ambiente


Antônia Mello luta para manter o rio Xingu vivo. Foto: Kate Horner/International Rivers.
“O rio Xingu não é mais o mesmo. O rio não corre mais. É muito trágico”. Essas são as palavras de lamento de Antônia Melo da Silva, filha de cearenses que chegara à região do Médio Xingu em meados dos anos 50. Trabalhou como professora do ensino fundamental e, hoje, aos 67 anos, se dedica totalmente à defesa do meio ambiente. Nesta terça-feira, 10 de outubro, a ativista ambiental recebeu o prêmio da fundação americana Alexander Soros, em Nova York.

Desde 2012, a fundação reconhece o trabalho de defensores ambientais e de direitos humanos. Como coordenadora geral do ‘Movimento Xingu Vivo Para Sempre’, Antônia se tornou um símbolo na luta contra a construção da hidrelétrica Belo Monte e foi a sexta pessoa a receber a premiação. Seu nome foi indicado pela organização não-governamental Conectas e escolhido por um júri formado por experts e integrantes da ONG Global Witness e Human Rights Watch.

Dona Antônia recebeu o prêmio devido ao seu “papel inspirador liderando campanhas para impedir a construção da barragem de Belo Monte e outros projetos de infraestrutura que causam danos à região amazônica”, informou a instituição, em comunicado.

Belo Monte, ou como ela mesma chama, “belo monstro”, ainda não é “fato consumado”, anunciou. Segundo seus cálculos, já somam 24 ações na Justiça apresentadas pelo Ministério Público que denunciam as irregularidades e a violência ambiental e social da construção da usina.

“Continuaremos na luta em defesa do rio Xingu, da natureza e em defesa da vida. Este é um projeto inviável”, sentenciou D. Antônia. Havia pouco que desembarcara nos Estados Unidos quando a ativista conversou com ((o))eco, antes da premiação. Neste último fim de semana, ela participou como convidada especial de um encontro que reuniu, na American University, em Washington, cerca de 60 ativistas do mundo inteiro na Coalizão para o Desenvolvimento e Direitos Humanos.

A falta de peixe no Xingu

Antônia testemunhou diversas transformações na Amazônia ao longo de décadas. Viu a Transamazônica ser construída, acompanhou a discussão do complexo Kararaô no rio Xingu, em 1989, resquício do período militar e que depois se tornaria, já no governo Fernando Henrique, Belo Monte, projeto que foi retomado ímpeto pelo governo Lula da Silva. “Essa luta contra Belo Monte não começou agora”, lembrou.

Os impasses em torno do projeto de construção da usina começaram há mais de 20 anos. Em 2010, sob protestos de ambientalistas, embates judiciais que tentavam impedir a obra, o governo tirou do papel o empreendimento. A licença para construir o complexo – hoje a terceira maior hidrelétrica do mundo – foi concedida em junho de 2011, tendo sido inaugurada oficialmente em 2016 pela então presidente Dilma Rousseff.

Durante o período do canteiro de obras para erguer a usina, Altamira recebeu um influxo de cem mil pessoas. Orçada inicialmente em 16 bilhões de reais, o custo da obra já superou 30 bilhões de reais deixando um rastro de “destruição ambiental”, definiu D. Antônia.

Uma de suas maiores críticas é a escassez de peixes na região da hidrelétrica em razão da obra e do desvio do curso do rio. Um dossiê acerca dos impactos de Belo Monte sobre a pesca realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) confirmara as preocupações de Antônia.

Os principais impactos ambientais relatados por pescadores em 2013 eram as explosões, a turbidez da água, a dragagem do leito do rio e de praias, além do aterramento de praias e igarapés e a constante movimentação de embarcações. A extinção de locais de alimentação e reprodução da fauna também foram apontados como preocupantes. “Tais impactos repercutiram na supressão de importantes áreas de pesca, na queda da atividade produtiva e na interdição de trechos do rio para a navegação”, apontou o documento.


“É irreversível mudar o curso do rio”

Quando a instalação do restante das 18 turbinas for concluídas, até 2019, a usina gerará um total de 11.233,1 MW. Esta quantidade de energia é suficiente para um consumo médio de 60 milhões de pessoas, em 17 estados brasileiros, informou o consórcio Norte Energia S.A, em comunicado no final do ano passado.

Quando estiver em plena operação, 80 por cento do curso natural do rio Xingu terá sido desviado. A Volta Grande do Xingu, um trecho de 100 km na margem esquerda do rio próxima à barragem da usina, é uma das grandes preocupações de D. Antônia.

Além de banhar duas terras indígenas onde vivem as etnias Jurunas, Araras e Paquiçambas, a área abriga ainda a casa de centenas de famílias ribeirinhas que dependem do rio para seu sustento.

“É irreversível mudar o curso do rio, mudar as águas e toda uma diversidade que tínhamos. Nada paga, nada vai repor”, criticou Antônia.

A barragem bloqueou cerca de 1.500 km do Xingu e inundou 600 km quadrados de floresta, impactando mais de 500 espécies de peixes na região da hidrelétrica, publicou o pesquisador Philip M. Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em um recente artigo na Escola de Estudos Florestais e Ambientais de Yale.

“Tivemos um impacto no ecossistema, a morte de várias espécies, algumas de peixes ornamentais que só existiam nessa área onde implantaram os paredões de Belo Monte na ilha do Pimental”, conta Antônia ao relembrar o que fora uma das primeiras intervenções da obra no rio em 2012 para a construção da barragem principal e uma casa de força auxiliar.

“Só nessa área da Volta Grande tinham espécies que sumiram, peixes ornamentais como o acari-zebra e outras espécies lindas. Além da diminuição dos peixes que pescamos para usar como alimento. Os que estão no lago agora são doentes”, lamentou a ativista.

Um estudo publicado no jornal ‘Biodiversity and Conservation’ por um grupo de pesquisadores americanos, brasileiros e britânicos apontou para o desaparecimento de diversos habitats raros na região, pondo em risco a sobrevivência de espécies como o acari-zebra mencionado por D. Antônia, também conhecido como cascudo-zebra.

A Norte Energia informou ter implantado projetos de conservação da fauna de peixes em seu Plano Básico Ambiental. O acari-zebra é apenas encontrado em alguns trechos do Xingu. A transformação do ambiente natural das espécies aquáticas gerou a perda da capacidade de se reproduzirem. A piracema – o período de reprodução dos peixes – não ocorreu em 2016 na Volta Grande do Xingu, afirmam pesquisadores.

No site do Ministério de Minas e Energia (MME), um comunicado informa que a piracema não será impedida pelo barramento, preservando o equilíbrio da fauna aquática do Rio Xingu. “A hidrelétrica de Belo Monte será provida de escadas de peixes, assim como Itaipu e as usinas em implantação no rio Madeira, Santo Antônio e Jirau”. O governo ressaltou que seriam adotadas ações efetivas de mitigação de impactos sobre as espécies, como a elaboração de um Plano de Conservação de Ecossistemas Aquáticos.

“Alguns críticos afirmam, indevidamente, que a construção da barragem prejudicará o regime hídrico do rio Xingu”, continuou a nota. “Muito pelo contrário, haverá uma regularização do rio em Altamira, que perceberá um nível d’água constante graças à barragem. A Volta Grande do rio Xingu, evidentemente, não secará. Está garantida a vazão sanitária para todo o trecho afetado, exigência ambiental indispensável, permitindo a manutenção do curso original do rio e a preservação do ecossistema local”.

No entanto, no final de 2015, peixes começaram a morrer na Volta Grande. Meios de imprensa noticiaram que muitos peixes não conseguiram completar seu ciclo reprodutivo. Em abril de 2016, o Ibama multou a Norte Energia em R$35,3 milhões pela morte de 16,2 milhões de toneladas de peixe durante o processo de enchimento do reservatório.

“Estão tirando a vida do rio, dos peixes, da fauna, destruindo as águas. As ilhas lindas que tínhamos no rio Xingu, ilhas majestosas, já não existem. A vida dos ribeirinhos foi estraçalhada, as famílias foram arrancadas de lá como foram arrancadas as ilhas e as raízes das árvores. O rio era o modo de vida dos ribeirinhos”, disse Antônia.

Belo Sun, o novo perigo

O rio Xingu pode ser duplamente impactado com mais um projeto que tem tirado o sono de Dona Antônia. Localizado a 13 km da usina, está um projeto que pode ser ainda mais polêmico: a maior mina de ouro a céu aberto do país.

A empresa canadense Belo Sun pretende instalar o empreendimento sob o nome de ‘Projeto Volta Grande’. O local escolhido é na própria Volta Grande do Xingu, a menos de 10 km de distância da terra indígena Paquiçamba e também próxima a duas outras reservas indígenas, umas delas habitada por tribos isoladas.

Ainda não teria havido nenhuma consulta livre, prévia e informada às populações indígenas e às 300 famílias ribeirinhas que moram na região. Os números são ambiciosos: a mineradora pretende investir R$ 1,5 bilhão, extrair 600 toneladas de ouro em 12 anos, ocupar uma área de 346 hectares ao longo de 120 km do Xingu e deixar um passivo de 504 milhões de toneladas de rejeitos de minério.

Em fevereiro de 2017, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará concedeu a Licença de Instalação para a Belo Sun Mineração LTDA. O início das obras logo fora barrado por uma ação do Ministério Público Federal.

Dona Antônia receia que a mineradora componha a paisagem junto com a hidrelétrica e descaracterize de vez o rio Xingu e a floresta. “Não tem nada de belo. Belo Monte e Belo Sun são monstros de destruição e morte. O pior é que o governo do Estado do Pará está apoiando tudo isso. As pessoas estão inseguras, ninguém sabe o que vai acontecer”, criticou.

Para a cearense que passou toda uma vida na Amazônia, o prêmio que recebeu em Nova York não representa o fim, mas um reconhecimento pela dedicação de defensores da floresta e dá fôlego para continuar o seu ativismo.

“O prêmio é uma vitória, nunca desistimos esses anos todos. É um reconhecimento para todas e todos que estão nessa luta e dá visibilidade para importância da causa do meio ambiente e dos direitos humanos”, destacou.

Por: Fabíola Ortiz
Fonte: ((o))eco

http://amazonia.org.br/2017/10/simbolo-contra-belo-monte-recebe-premio-por-defesa-do-meio-ambiente/?utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=Not%EDcias+da+Amaz%F4nia+-+11+de+outubro+de+2017

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Cerimônia da mentira – artigo do mestre Heródoto Barbeiro


Herodoto Barbeiro
O rei está nu. Esta foi a melhor definição de transparência de todos os tempos. Todos viam as partes pudicas de sua majestade e não comentavam. Temiam a reação do soberano. Foi preciso que uma criança dissesse a verdade. Nos dias atuais o rei mudou de comportamento. Cobre tudo com o mais pesado tecido para que o povo não veja o que se passa no governo. Há um biombo que foi recentemente e parcialmente derrubado pelo portal da transparência. O que se viu foi uma suruba, usando a expressão de um probo senador da república.

O manto diáfano ainda cobre grande parte das instituições do Estado e o provedor de tudo, o contribuinte não tem acesso quanto e como se gasta o imposto que paga. A casta que domina o Estado privatizou suas atividades e perpetua esse domínio com as reeleições consecutivas para os cargos no legislativo e executivo. O judiciário é aparelhado pela promoção de escolhidos para os tribunais superiores que também são indicações políticas e não de notável saber jurídico. Uma tempestade perfeita contra o cidadão.

As autoridades de vários níveis exacerbam na realização de rituais e cerimonias. Dão a impressão à população que estão sendo transparentes, mas o que ocorre é apenas um processo narrativo. Todos saem do evento, uns com a sensação que há transparência, outros que conseguiram enganar o distinto público mais uma vez. Querem todos ficar bem na foto, tanto o principal oficiante como seus coadjuvantes. Para realizar uma narração perfeita leem disfarçadamente as mensagens que julgam mais importantes. Treinam ler o teleprompter duplo, transparente, que proporciona virar a cabeça de um lado e outro como se estivesse falando com os dois lados do auditório.

No vídeo publicado na internet passam a impressão que falam com convicção. Leem na câmara de tevê. Ou usam um púlpito especialmente construído com uma inclinação que impede o auditório, e as câmaras, mostrarem o papel com as key messages lá escolhidas. Mistura-se o improviso sobre o irrelevante com as mensagens escritas e lidas discretamente. Gestos, pausas, olhares no horizonte reforçam a encenação. Uma vez dado o recado, o condutor da cerimonia retira-se com sorriso falso e se recolhe com os seus assessores. Perguntas dos jornalistas não fazem parte cerimonial, portanto estão descartadas.

Mais informações e mais comunicação, necessariamente, não clarificam as instituições do Estado. Com o crescimento das mídias sociais é possível encher o vazio de notícias falsas que levem os cidadãos a acreditar que sabem de tudo o que tem direito. Elas também eximem os governantes de plantão de serem humilhados com a bateção de panelas quando convocam uma rede oficial de rádio e televisão. Portanto é preciso ficar atento que a massa de informação não gera verdade. Há necessidade que elas sejam processadas, avaliadas, criticadas e debatidas. Ou seja que a narrativa seja substituída pela adição de novas formas de avaliação intelectual.

Assim a sociedade da transparência elimina todos os rituais e cerimonias caras e que demonstram que os oficiantes não tem muito mais coisa para fazer durante o dia. Elas atrapalham a aceleração de circulação da informação, da comunicação e da produção. A agenda se torna mais encorpada e ganha destaque na divulgação.

http://portal.comunique-se.com.br/cerimonia-da-mentira/

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Pesquisa mostra que profissionais veem descompasso entre missão e prática jornalísticas

(Imagem: Divulgação) http://portal.comunique-se.com.br/wp-content/uploads/2017/08/pesquisa-miss%C3%A3o-pr%C3%A1tica-jornalisticas-990x556.png
Uma pesquisa feita entre junho de 2016 e janeiro deste ano apontou que, para mais de 90% dos profissionais de imprensa brasileiros, o jornalismo é crucial para a democracia e capaz de promover uma sociedade melhor. Apesar disso, existem discordâncias em relação a como ele pode exercer esse papel da melhor maneira.

Menos de 25% dos participantes da pesquisa declararam concordar totalmente com as afirmações de que o jornalismo fornece narrativas verdadeiras e contextualizadas dos fatos, retrata a diversidade dos grupos que formam a sociedade e representa e dá voz à totalidade das pessoas.

Os dados são do Projeto Credibilidade, que buscou saber como os jornalistas brasileiros percebem sua missão e os padrões adotados em seu exercício profissional. Os 314 entrevistados responderam a perguntas sobre o papel do jornalismo na sociedade, sua visão de empresas jornalísticas, indicadores de qualidade de notícias, políticas de ética e diversidade nas redações e práticas de edição do conteúdo digital. Os primeiros resultados da pesquisa se encontram aqui.

Segundo uma das coordenadoras do Projeto Credibilidade, Angela Pimenta, os resultados mostram que “existe um desafio claro de tornar mais robusta a prática [jornalística] em relação à sua missão”.

Além disso, os entrevistados disseram que as redações onde trabalham apoiariam afirmações que refletem princípios éticos (91%) e valores qualitativos no jornalismo (79%). Alguns comentários que acompanharam as respostas, contudo, revelaram certo distanciamento entre o apoio formal e a prática real no cotidiano.

No total, foram consultados jornalistas de 38 diferentes veículos e 15 localidades do Brasil, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro. Mais de um terço das pessoas ouvidas na pesquisa trabalha como repórter.

Os resultados foram apresentados durante workshop para membros do consórcio de mídia do Projeto Credibilidade em 30 de julho, durante o 12º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo. Segundo o professor Francisco Belda (Unesp), que também coordena a iniciativa, em setembro deve ser divulgado um relatório interpretativo dos dados.
Projeto Credibilidade

Atuando como o capítulo brasileiro do Trust Project, o Projeto Credibilidade é uma iniciativa que busca refletir sobre a fragmentação das notícias no ambiente digital e desenvolver ferramentas para promover um jornalismo digital confiável e de qualidade. Surgiu a partir de um ambiente generalizado de desconfiança na mídia no Brasil. A realização é do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Em dezembro de 2016, o projeto formou um consórcio de mídia, que hoje conta com catorze parceiros (incluindo a Abraji), e passou a realizar discussões para diagnosticar suas necessidades, bem como identificar atributos de credibilidade do jornalismo digital. O objetivo é que, a partir desses indicadores, as redações apliquem novas práticas e melhorem seu posicionamento perante a opinião pública.

“Queremos criar um padrão de qualidade para o jornalismo no âmbito digital”, diz Belda. “Um selo de qualidade que seja claro, visível e evidente para os leitores”.

Também está prevista a criação de “etiqueta de credibilidade” que contenha metadados sobre o conteúdo das notícias na internet. Segundo o professor, a medida serviria para distinguir o jornalismo de qualidade de notícias falsas. Futuramente, o projeto planeja promover hackathons e desenvolver os protótipos dessas ferramentas.

Os principais indicadores de qualidade de uma notícia, de acordo com os entrevistados pela pesquisa, foram precisão, apuração e correção (76%), independência editorial (57%), correção ágil dos erros, pluralidade das fontes consultadas (44%), contextualização da informação (44%) e atribuição clara das fontes (43%). No site do projeto, ainda há uma lista com os oito indicadores priorizados pelo Trust Project.

http://portal.comunique-se.com.br/pesquisa-descomp-missao-prat-jorn/

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Deputado da tatuagem vai perder o mandato?

Altamiro Borges

Por Altamiro Borges

O deputado Wladimir Costa (SD-PA), que ganhou os holofotes da mídia ao tatuar o nome de Michel Temer no ombro, devia ser motivo da preocupação do seus pares na Câmara Federal. Com seus gestos patéticos, sua ação agressiva e suas posições preconceituosas, ele desmoraliza ainda mais o parlamento brasileiro – que, segundo as pesquisas, já está com a credibilidade na lama. Na semana passada, quando da votação do arquivamento da denúncia de corrupção contra o usurpador, o puxa-saco fisiológico assediou a repórter Basília Rodrigues, da rádio CBN. Já nesta terça-feira (8), ele utilizou seu WhatsApp para destilar o seu ódio fascistóide contra Ricardo Boechat, apresentador do Grupo Bandeirantes.


Ricardo Boechat
O aloprado difundiu uma montagem em que o microfone do jornalista foi substituído por um órgão sexual masculino. O título e “Ricardo Bichat e o microfone de nervo” e os balões trazem mensagens homofóbicas. Procurado pela Folha, o parlamentar afirmou, na maior caradura, que “apenas compartilhou” o meme preconceituoso que recebeu de seus seguidores fanáticos. Já o jornalista Ricardo Boechat ainda não se manifestou sobre a baixaria “e a assessoria de imprensa do Grupo Bandeirantes informou que não vai comentar o gesto”. Na Câmara Federal, porém, a paciência com o tatuado parece que está no fim. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) já anunciou que apresentará representação contra Wladimir Costa no Conselho de Ética.


As atitudes fascistas do deputado do Solidariedade também tem causado repulsa da sociedade. O Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal inclusive já ingressou com um processo na Justiça, acusando o parlamentar de praticar assédio moral e sexual contra a repórter Basília Rodrigues. Só para refrescar a memória, o episódio grotesco ocorreu na terça-feira passada (1º), na véspera da votação da denúncia da PGR contra Michel Temer. Durante jantar na casa do primeiro vice-presidente da Câmara Federal, Fábio Ramalho (PMDB-MG), a repórter da CBN pediu para o exibicionista Wladimir Costa mostrar a tatuagem para comprovar a versão de que ela é definitiva. “Para você só se for o corpo inteiro”, respondeu o machista diante dos presentes.


Basília Rodrigues 
Em seu Facebook, Basília Rodrigues deu detalhes sobre o episódio e exigiu respeito do maníaco. “Parlamentares constrangidos vieram me pedir desculpas pelo comportamento do nobre colega”, relatou na rede social. Confiante na sua impunidade na república dos golpistas, Wladimir Costa ainda postou fotos da jornalista e escreveu inúmeras ofensas misóginas. Até quando a Câmara Federal vai aturar este sujeito desqualificado – que inclusive coleciona várias denúncias de corrupção em seu Estado? Se nada for feito para coibir suas ações, o parlamento será tatuado com sua patética imagem.


http://altamiroborges.blogspot.com.br/2017/08/deputado-da-tatuagem-vai-perder-o.html

“Conflitos no Campo Brasil 2016” e “No Rastro da Grilagem” são lançados em Santa Maria da Vitória


agosto 07, 2017

Representantes das comunidades tradicionais, estudantes, professores, assistentes sociais e dos diversos segmentos sociais da região, participaram do lançamento das publicações “Conflitos no Campo Brasil 2016” da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e “No Rastro da Grilagem”, da Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), realizado na última sexta-feira (04), em Santa Maria da Vitória (BA).

Os dados trazidos pela CPT e os mapas produzidos pelo Instituto Geografar, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sobre os conflitos por terra, água e trabalhista; e violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, incluindo indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais em todo o Brasil; demonstrou como o avanço do capital no campo, a concentração fundiária e a ausência de punições são fatores fundamentais para manutenção e ampliação destes conflitos, ainda mais agravados neste período de desmonte das estruturas democráticas do país.

Durante o debate, a apresentação da revista “No Rastro da Grilagem”, contribuiu com a análise da dinâmica da grilagem contemporânea, para o público entender como a prática deste crime assume repercussões jurídicas nos procedimentos de registros imobiliários, agrupados pela AATR em quatro técnicas de falsificação. Essa análise trouxe a reflexão de que os conflitos no campo baiano e as diversas formas de grilagem são as duas faces de uma mesma moeda.

O debate acerca dos temas foram significativamente qualificadas com a participação das comunidades que sofrem estes casos de violências e violação de direitos, que afirmaram: “mesmo que os dados revelem situações de extrema injustiça, acreditamos que a luta das comunidades é um fator positivo de reação, de forma organizada do povo, e não se deixarão abater e continuarão na resistência, na defesa dos territórios, das águas, do cerrado e dos povos que nele existe”, disseram.

Momentos como estes são importantes para aprofundar e ampliar a visão da realidade do campo na região, e que deve dar continuidade, são as verdadeiras formas de se fazer política.


CPT Bahia/ Equipe Centro Oeste

http://cptba.org.br/cptba_v2/conflitos-no-campo-brasil-2016-e-no-rastro-da-grilagem-sao-lancados-em-santa-maria-da-vitoria/

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Guia traz orientações a rádios comunitárias para ações de fiscalização e processos judiciais

É para oferecer um auxílio a comunicadores e comunicadoras comunitárias nessa esfera que a ARTIGO 19 lança nesta quarta-feira (2) o guia “Rádios Comunitárias: o que fazer diante de ações de fiscalização e processos judiciais?”.

Baixe o guia : http://bit.ly/guia-r%C3%A1dioscomunit%C3%A1rias-download

O guia traz informações sobre os pontos a serem observados durante as visitas de fiscais da Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) e agentes da Polícia Federal a rádios comunitárias. Entre as informações, estão detalhes sobre as prerrogativas fiscalizatórias, as regras para a apreensão de equipamentos e orientações para possíveis ações de reparação por violações de direitos.

O guia aborda ainda as etapas que marcam um processo criminal e lista argumentos jurídicos que podem ser utilizados em julgamento pela defesa de radialistas comunitários processados. Destaca também exemplos de decisões judiciais tomadas no passado em alguns tipos de casos.

Ademais, quem ler a publicação poderá encontrar um panorama geral dos problemas enfrentados pelas rádios comunitárias para manterem-se na ativa, além da indicação de mecanismos legais e administrativos que podem ser utilizados para dar agilidade à obtenção da outorga de funcionamento.

“Como o Estado brasileiro não se empenha em regularizar o funcionamento das rádios comunitárias no país, diversos comunicadores e comunicadoras comunitárias se encontram em situação de vulnerabilidade. Por isso, acreditamos que as orientações contidas neste guia podem ser de grande utilidade e contribuir para este importante campo da comunicação social”, afirma Camila Marques, coordenadora do Centro de Referência Legal da ARTIGO 19 e uma das responsáveis pelo trabalho.

Para a ARTIGO 19, o cenário adverso para as rádios comunitárias brasileiras caracteriza um cerceamento ao direito à liberdade de expressão e informação. Tal situação é ainda mais preocupante em um contexto de elevada concentração da mídia comercial e presença ainda não consolidada de uma mídia verdadeiramente pública, como é o caso do Brasil.


http://artigo19.org/blog/2017/08/02/guia-traz-orientacoes-a-radios-comunitarias-para-acoes-de-fiscalizacao-e-processos-judiciais/

domingo, 30 de julho de 2017

ASSASSINATO DE CASAL DE IDOSOS EXPÕE INCAPACIDADE DO INCRA DE SOLUCIONAR CONFLITOS EM ASSENTAMENTOS



Na noite de ontem 25p/26 de julho de 2017, foram brutalmente assassinados no Projeto de Assentamento UXI, localizado no município de Itupiranga, o casal de idosos: Manoel Índio Arruda (82 anos) e Maria da Lurdes Fernandes Silva (60 anos). Durante a noite, os vizinhos do casal de idosos, ouviram inúmeros disparos de armas de fogo na residência das vítimas. Pela manha, o corpo de Maria de Lurdes foi encontrado na área de entrada da casa, atingido por vários tiros. Ela ainda segurava nas mãos, o cadeado da porteira de entrada da casa. Manoel ainda tentou se esconder embaixo de uma cama, mas, foi alvejada com vários tiros e morreu no local. O casal estava regularmente assentado pelo INCRA desde 09 de novembro de 2006 no Assentamento UXI.

Nos últimos anos Manoel compareceu por inúmeras vezes, no INCRA, na Delegacia de Conflitos Agrários, na Polícia Federal, no Ministério Público Federal, etc, para denunciar a aquisição ilegal de parcelas nas proximidades do seu lote, alteração de limites de sua parcela e ameaças. O INCRA, primeiro responsável pelo problema foi incapaz, ao longo de todos esses anos, de solucionar o conflito e evitar as mortes. Deixou que um casal de idosos ficasse a mercê da ação de pistoleiros, certamente, agindo a serviço de alguém. 

Infelizmente, esse não é um fato isolado. Várias mortes têm ocorrido na região em razão da inoperância do órgão fundiário em solucionar conflitos fundiários no interior dos assentamentos de reforma agrária. Em 2011, outro casal, José Claudio e Maria do Espírito Santo, também foram assassinados em razão do descaso do INCRA. Seis anos após a morte do casal de extrativistas, a Justiça Federal de Marabá reconheceu através de sentença que as denuncias feitas por eles ao órgão estavam corretas, determinou a retirada dos não clientes dos lotes comprados e a imediata devolução ao INCRA para reassentar novas famílias. Se o INCRA tivesse feito sua parte à época da denuncia, certamente, os dois estariam vivos. Da mesma forma, o casal de idosos do PA UXI, não estaria morto pelos motivos denunciados por eles. 

A CPT tem recebido nos últimos meses, vários casos de denuncia de assentados relatando concentração ilegal de lotes e ameaças nos Projetos de Assentamento. Situações iguais à que resultou no assassinato do casal de idosos, Manoel e Maria de Lourdes. Essas situações eram mediadas pela Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, presidida pelo Desembargador Gercino Silva. Após sua exoneração pelo golpista Michel Temer e a extinção da Ouvidoria Agrária Nacional, as famílias assentadas, vítimas de conflitos ficaram sem a quem recorrer. Com a inoperância do INCRA, a lei do mais forte passou a prevalecer como forma de solução dos conflitos. Se nada for feito, outras vítimas não tardarão a aparecer. Conforme dados da CPT, já são 17 assassinatos de trabalhadores rurais apenas nas regiões sul e sudeste do Pará, de janeiro a julho de 2017.

                                                          Marabá, 27 de julho de 2017 (dia do trabalhador rural).


Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAGRI Regional Sudeste.

Comissão Pastoral da Terra – CPT diocese de Marabá.

Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Itupiranga.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

O sistema de Justiça e as rádios comunitárias

por Camila Marques e João Ricardo Penteado — publicado 25/07/2017 15h44

Caso da Rádio Coité FM reflete o cenário discriminatório e nocivo aos princípios básicos da democracia na comunicação social no Brasil.

Piter Júnior na rádio comunitária Coité FM

Enquanto políticos de renome seguem intocáveis como donos de canais de televisão e estações de rádio por todo o Brasil – uma situação que afronta diretamente o artigo 54 da Constituição – comunicadores comunitários continuam sendo alvos preferenciais de ações repressivas do Estado brasileiro, seja nas mãos da burocracia, da polícia ou do sistema de Justiça.

Um dos últimos a ver-se em meio a esse ambiente adverso foi o baiano Piter Júnior, morador de Conceição de Coité (BA). É nessa cidade de pouco mais de 60 mil habitantes, localizada na região do Sisal, que Piter e outros colegas mantinham a Rádio Coité FM, uma rádio comunitária criada em 1998 com o objetivo de divulgar informações de utilidade pública, tocar músicas de artistas locais e promover a participação da população coiteense.

No último dia 28 de junho, o Tribunal Regional Federal da 1º Região negou recurso movido pela defesa de Piter contra a condenação sofrida pelo comunicador, em primeira instância, a dois anos de prisão (pena revertida em serviços comunitários) por “exercício clandestino de serviço de telecomunicação”, uma tipificação prevista no Código Penal. O crime de Piter? Ter auxiliado nas transmissões da Rádio Coité FM.

Seu caso deverá ser levado agora ao Superior Tribunal de Justiça, em ação na qual se defende a tese do princípio de insignificância do crime – no passado, a corte já aplicou esse tipo de entendimento em casos de natureza similar. Além disso, a defesa também se ampara no próprio laudo pericial elaborado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que afirma que as transmissões da rádio não causavam interferências nem nenhum outro tipo de dano.

Outra pessoa que também viu-se na mira do Judiciário brasileiro por atuar na radiodifusão comunitária é Núbia Silva que, assim como Piter, integrava a equipe de comunicadores e comunicadoras da Rádio Coité FM. Processada pelo Ministério Público pelo mesmo crime de transmissão clandestina, Núbia teve destino diferente de seu companheiro de rádio: acabou inocentada no dia 6 de março deste ano em julgamento na 1º Vara Federal do Fórum de Feira de Santana.

A decisão representou uma grande vitória para a luta das rádios comunitárias, mas, ainda assim, o Ministério Público, em atitude que demonstra insatisfação com sentenças de cunho progressista, resolveu apelar, e o processo deve ser revisto no futuro.

Tanto o caso de Piter como o de Núbia refletem o cenário discriminatório e nocivo aos princípios básicos da democracia que marca o campo da comunicação social no Brasil. Estamos falando de um país que, além de tolerar políticos titulares de concessões de radiodifusão, tem seus principais veículos de mídia de massa controlados por pouquíssimas famílias, o que acaba por constituir um setor altamente oligopolizado. No entanto, a face dura da lei jamais é aplicada contra esses setores, sendo reservada somente aos grupos vulneráveis da comunicação, dos quais fazem parte as rádios comunitárias.

No atual ecossistema de mídia brasileiro, princípios como o do pluralismo e o da diversidade são apenas palavras que transmitem valores nobres, mas sem aplicação prática, apesar do que recomendam os principais padrões internacionais sobre o tema. Nesse sentido, as rádios comunitárias desempenhariam uma função primordial por representarem as diferenças regionais e culturais do povo brasileiro.

Caberia então ao Judiciário do país não coadunar com as práticas restritivas constatadas em outros órgãos do Estado, como a Polícia Federal e a Anatel, que, com frequência, realizam fiscalizações severas a rádios comunitárias desprovidas de outorgas de funcionamento em razão da morosa e excessiva burocracia a qual são submetidas. O próprio caso da Rádio Coité ilustra bem esse cenário: seus idealizadores estão desde 1998 tentando sua regularização, sem nunca ter obtido sucesso. 


O que se conclui disso tudo é que, além de não prover políticas públicas que garantam a diversidade e pluralidade na radiodifusão, o Estado brasileiro ainda lança mão de medidas repressivas que desconsideram, de forma temerária, a função social das rádios comunitárias.

Por tudo isso, é imperativo que juízes e juízas dos tribunais brasileiros enxerguem comunicadores comunitários não como contraventores em potencial, mas sim como agentes de promoção da diversidade e do pluralismo, que prestam serviços importantes à comunidade local enquanto exercem seu direito à liberdade de expressão, sendo ainda atores indispensáveis para o bom funcionamento do que concebemos por democracia.

Esse é o perfil de pessoas como Piter Júnior e Núbia Silva. Ambos foram vítimas de um sistema que penaliza, injustamente, o elo frágil da corrente. Tal cenário precisa mudar e o Judiciário tem um importante papel a cumprir nessa tarefa.



*Camila Marques é advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal da ARTIGO 19; João Ricardo Penteado é coordenador de comunicação da mesma ONG.



https://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-sistema-de-justica-e-as-radios-comunitarias

A violência desenfreada no Sul de Pará. Superações possíveis?

Vital Corbellini - Bispo da Igreja Católica - Diocese de Marabá

Artigo

Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá

Estamos passando por um momento difícil no Sul e Sudeste do Pará, Brasil, devido à violência desenfreada que está ocorrendo nas ruas, comunidades, ao redor das cidades de Marabá. Esta violência misturada com pistolagem, ou grupos de extermínio, ceifa vidas, tira gestores em sua caminhada municipal nas cidades, elimina agricultores e agricultoras, empresários, pessoas de todas as categorias. Parece que a vida tornou-se uma banalidade sem o seu devido valor. Os assassinatos de pessoas vão contra o mandamento da lei de Deus que é não matar, não tirar a vida de ninguém, porque ninguém pode arrogar-se da vida do próximo. As pessoas matam à luz do dia, uma afronta contra a vida da comunidade e da sociedade. Percebemos que em pouco mais de um ano três gestores, três prefeitos da mesma região, Goianésia, Breu Branco e ultimamente Tucuruì foram brutalmente assassinados, bem como pessoas em nossa cidade, de Marabá, na região como pessoas ligadas à terra, agricultores e agricultoras. A violência está ocorrendo também pelas ameaças em acampamentos, ou assentamentos de terra em nossa região através de queimas de casas, estragos com as plantações de mandioca e outras ameaças. Estamos contra também às invasões de terra, queimas de bens ou objetos das pessoas e ameaças contra as pessoas. A questão é que na grande maioria desses crimes estão sendo impunes.

Não há nada que justifique a morte de pessoas como estamos presenciando. Vemos pessoas jovens sendo impedidas de continuar a servir os outros. Não podemos ficar de braços cruzados, porque hoje ou ontem foram aquelas pessoas, amanhã poderão ser outras ou quem sabe bem próximas de nós. A impressão é que as balas estão falando mais alto que a reconciliação, o perdão, o amor de Jesus Cristo. Dessa forma a morte de pessoas faz-nos pensar a atuação de políticas públicas por parte dos governos federal e estadual e municipal que impeçam a violência, junto às famílias, à escola, à rua, à vida social e também como cristãos, católicos e católicas no mundo de hoje. Jesus nos solicita pela paz e pelo amor: Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus(Mt 5, 9). Devemos testemunhar o amor de Cristo Jesus, sermos sal da terra e luz do mundo(cfr. Mt 5,13. ).

A violência com mortes está muito forte em nossa região. Conclamamos o povo de Deus para que não retruque com a lei do talião, pela vingança, mas pela reconciliação, e às autoridades federal e estadual para a segurança ocorra de uma forma para uma convivência melhor nos cidadãos em nossas cidades, comunidades, famílias. Precisamos deste olhar com amor pelo governo do Estado do Pará para a nossa região, do Sul e do Sudeste do Pará para que vivamos em paz, construindo uma sociedade mais justa e fraterna conforme o plano do Senhor. De nossa parte estamos fazendo o possível para que trabalhemos pela paz através da oração, de ações na família, na comunidade e na sociedade. pelas pastorais, movimentos e serviços. Seguindo Jesus Cristo, a Igreja focaliza a vida sobre a morte, sobre a violência. Denunciamos a situação de mortes de pessoas e ao mesmo tempo sejamos pessoas portadores de paz e de amor a Deus, ao próximo com a si mesmo.

http://cnbb.net.br/a-violencia-desenfreada-no-sul-de-para-superacoes-possiveis/

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Relatos revelam descaso com a população indígena no Acre

Caciques falam em vídeo da falta de infraestrutura e das doenças que têm vitimado crianças das tribos

Problemas enfrentados pelos indígenas vão desde saneamento básico, higiene, segurança alimentar e falta de água potável até dificuldades logísticas de socorro às populações isoladas na floresta. Na imagem, tribo Huni Kuin do Acre – Foto: Acervo pessoal de Paulo Gallo

Embora tenham ocorrido avanços nos direitos dos povos indígenas, as condições de saúde vividas por eles ainda são bastante precárias no Norte do País. É o que mostram os resultados de uma pesquisa realizada na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, que traz depoimentos de lideranças indígenas do Estado do Acre.

Para o jornalista, cineasta e autor da pesquisa Valdir Baptista, que registrou depoimentos em vídeos, os problemas enfrentados pelos indígenas naquela região são de toda ordem. Vão desde o saneamento básico, higiene, segurança alimentar e falta de água potável até dificuldades logísticas de socorro às populações isoladas na floresta, dentre outros. “O descaso é generalizado”, afirma Baptista, que é professor de Comunicação das Faculdades Integradas Alcântara Machado (Fiam).


A coleta de dados foi realizada em 2012 e revelou a situação de negligência das autoridades públicas ante a situação vivida pelos povos indígenas naquela região. Quatro caciques das etnias Huni Kuin, Katukina do Acre e Kuntanawa – esta última quase extinta durante os massacres do ciclo da borracha na região – gravaram seus relatos, alguns destes, inclusive, envolvendo a morte de seus próprios familiares. O resgate da etnia Kuntanawa se deu a partir de memórias das mulheres indígenas que escaparam do genocídio e se casaram com seringueiros.

Crianças estão morrendo

O depoimento do cacique Ninawá Huni Kui, principal líder indígena do Acre e membro do Conselho Estadual de Saúde, expressa sua preocupação com as crianças das tribos indígenas. A taxa de mortalidade infantil entre os índios é exponencialmente superior à do conjunto da população brasileira. De acordo com o pesquisador, embora não haja informações fidedignas sobre a situação, alguns dados fornecidos pela Fundação Nacional da Saúde (Funasa) e pela Pastoral da Criança, de 2003, mostram que existe uma significativa diferença na taxa entre as duas populações: cerca de 115%.


“Não há postos de saúde nem medicamentos”, diz o cacique Ninawá, da etnia Huni Kuin do Acre – Foto: Acervo pessoal de Paulo Gallo
O cacique Ninawá falou sobre as principais enfermidades que vitimaram as crianças de sua aldeia e da falta de infraestrutura nas terras indígenas. “Não há postos de saúde nem medicamentos.” Alguns adoecem e morrem em decorrência de doenças que já foram controladas no Brasil, como diarreia, tuberculose e malária. A hepatite A, por exemplo, que está relacionada à água e a alimentos contaminados por falta de saneamento básico, tem se alastrado com facilidade na comunidade.


Ele se referiu também a outras enfermidades que, por não terem diagnóstico e tratamento adequados, têm levado muitas crianças ao óbito. Foi o caso de 22 mortes registradas em curto espaço de tempo no município de Santa Rosa (AC). As mães relataram sintomas de diarreia, vômito, dores nos pulmões e febre alta.


Há dificuldade de acesso para tratamento médico em função do isolamento das florestas e das longas viagens pelos rios – Foto: Acervo pessoal do professor Paulo Gallo
A pesquisa apontou ainda as dificuldades para acesso ao tratamento médico em função do isolamento das aldeias em florestas e rios, que precisam ser atravessados de barco pelos habitantes durante longas horas de viagem.


O cacique Osmildo Silva da Conceição, da etnia Kuntanawa, contou em seu depoimento o drama que viveu para buscar socorro ao filho. O menino acabou morrendo em função de um quadro de hepatite que se agravou por falta de tratamento adequado, pois morava em uma aldeia afastada da cidade.

Ele estava na cidade quando soube que seu filho não estava bem. Demorou para conseguir dinheiro para custear o combustível de barco para sua volta para casa. Na aldeia, viu o filho piorando a cada dia. Embora tenha recebido atendimento médico básico em suas terras, o pai considerava que o diagnóstico não tinha sido feito corretamente e o medicamento que tomava não daria nenhum resultado. Tentou dar remédios que ele mesmo preparava com raízes e plantas medicinais que retirava da floresta, mas não obteve a aprovação da mãe da criança.


Taxa de mortalidade infantil entre os índios é exponencialmente superior à do conjunto da população brasileira – Foto: Acervo pessoal de Paulo Gallo
Pensou em voltar à cidade para buscar atendimento médico, mas era preciso encontrar alguém que pudesse arrumar combustível para abastecer o barco. Além disso, surgia uma nova preocupação: chovia muito na região e o rio estava sem navegação. Os dias foram passando, o menino piorando e, em pouco tempo, morreu.


Fato semelhante, segundo o cacique, foi vivido por outras famílias que perderam seis crianças dentro de um único mês.

De acordo com o pesquisador, os depoimentos possuem peso social para impulsionar mudanças de políticas públicas de saúde para os povos indígenas. Baseado na vivência e nos relatos dos líderes, um dos problemas identificados foi a omissão do Estado em qualificar agentes da própria comunidade para intervenções de saúde. Caso essa ação fosse tomada, “pessoas da própria comunidade ultrapassariam dificuldades culturais e de comunicação entre as equipes do Sistema Único de Saúde e os povos indígenas”, conclui Baptista.

A pesquisa faz parte da tese de doutorado Registro audiovisual da omissão do estado brasileiro nas políticas públicas de saúde segundo depoimentos de lideranças indígenas, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, em 2016, sob orientação do professor Paulo Rogério Gallo.

Por Ivanir Ferreira
Fonte: Agência USP

http://amazonia.org.br/2017/07/relatos-revelam-descaso-com-a-populacao-indigena-no-acre/?utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=Not%EDcias+da+Amaz%F4nia+-+21+de+julho+de+2017