quarta-feira, 29 de setembro de 2010

RÁDIOS COMUNITÁRIAS: UM ACORDO OU UM BLEFE?

Comunicação Alternativa
RÁDIOS COMUNITÁRIAS: UM ACORDO OU UM BLEFE?
Por Dioclécio Luz
Representatividade
Ao final da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em Brasília de 14 a 17 de dezembro de 2009, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária, Abraço, divulgou documento que trataria de um acordo fechado entre ela e o Governo. Este artigo analisa o fato.
A primeira questão a se avaliar é quanto a legitimidade e representatividade da Abraço para fazer um acordo que mexe com o interesse de todas as rádios comunitárias do país e não somente com as suas associadas. A Abraço é uma das entidades que lidam com rádios comunitárias no Brasil. Ela surgiu no final de 1996, em Praia Grande, litoral paulista e hoje tem filiadas em praticamente todas as Unidades da Federação. A entidade não tem sede própria, mas tem um site (www.abraconacional.org), criado em 2009.
Quando se fala em legitimidade e representatividade, é importante registrar que a Abraço, como toda entidade, representa seus pares, isto é, seus associados. Ela é uma associação (sem fins lucrativos) e não um sindicato; portanto, a Abraço tem o caráter de uma ONG, o que lhe impede de tratar seus filiados como “categorias de trabalhador”, por exemplo. Não se pode confundir entidade representante de categoria (caso dos sindicatos, que podem falar em “base” sindical) com entidade representante de um grupo (uma associação) de rádios ou de entidades que lidam com rádio, como é o caso da Abraço. Uma associação de pequenos agricultores é bem diferente de um sindicato de pequenos agricultores. Em ambos os casos há mobilização e organização, mas somente o sindicato de fato representa oficialmente a categoria. Tanto que o aval de funcionamento para o sindicato é concedido pelo Ministério do Trabalho e Emprego; o sindicato será único na região, e terá legitimidade para representar a categoria perante o Estado. Quanto às associações, elas podem ser criadas conforme a vontade da sociedade organizada, para representar os interesses exclusivos dos seus sócios. E são eles que lhe dão legitimidade. Não é papel do Estado legitimar associação. Ele pode firmar convênios, parcerias, até mesmo atribuir “diplomas” para uma ONG, como o de “utilidade pública”, mas não vai além disso.
Feitas as ressalvas quanto a legitimidade da Abraço (e de todas as associações), podemos analisar sua representatividade.
A Abraço é uma entidade que atua em determinado segmento da sociedade, o das rádios comunitárias. Mas, claro, ela não representa todo o segmento. Ela representa, dentro do movimento, como diria Gramsci, uma parcela desse movimento, a parcela dos que são associados à Abraço. Isto é, o óbvio: a Abraço se representa (seus associados) no movimento e junto às demais instâncias da sociedade (incluindo o Estado). E não o contrário. Por ser uma entidade privada que representa seus associados, não pode falar por todo o movimento; não pode falar em nome das “rádios comunitárias”, no seu sentido genérico. Claro, pode falar como elemento de retórica, em defesa das rádios comunitárias de uma forma geral, mas não tem a representatividade de todas as rádios comunitárias para falar em nome delas, ou de propor algo em nome delas.
Como retórica a Abraço pode defender este ou aquele argumento, mas não pode afirmar que “as rádios comunitárias querem isso ou aquilo”, “defendem isso ou aquilo”. Seu posicionamento é o posicionamento da Abraço (isto é, de um grupo de pessoas) e não de todas as rádios, ou de representantes de todas as rádios. Ao se posicionar perante a sociedade ela não pode falar em nome de todas, mas apenas em seu nome. A Abraço pode ter legitimidade ou não perante a sociedade por razões políticas e éticas, mas a representatividade, em qualquer momento, limita-se ao seu grupo. Do mesmo modo como ninguém pode criar algo como a “Associação nacional dos moradores de favela” e cobrar do Governo e da sociedade que o aceitem como representante de todos os moradores de favela.
A questão da legitimidade e representação pode ser usada intencionalmente para confundir a opinião pública. Entidades se apresentam como “o movimento social”, ou “representantes da sociedade civil” para obter espaço político. E o Estado muitas vezes aceita isso. Ou por ignorância dos seus agentes ou por má fé – quando, por exemplo, para enganar a opinião pública, e criar a imagem de defensor da democracia, convida para o debate o parceiro de partido ou de interesses, devidamente qualificado como “representante do movimento social”. No atual contexto político essa questão de movimento social representando por entidades é tão forte que fica excluído do debate aquele que não tiver o crachá de alguma entidade.
Por isso assumir um cargo de direção na entidade é uma das estratégias mais usadas pelos que se dedicam unicamente ao jogo da política, principalmente os oportunistas, aqueles que nada produzem a não ser uma verborragia inútil, pretensamente revolucionária.  Qualquer cargo lhe basta. O importante é um crachá. Para que o espertalhão possa se apresentar como representante de tal entidade que, por acaso, “representa o movimento social”. Há personagens tão espertos que, na falta de espaço na entidade, ele cria sua entidade; e há entidades tão fajutas que aceitam que qualquer um se apresente como seu representante.
Mas, voltando à questão das entidades...
De um modo geral, elas costumam fazer um rodízio na direção. É uma prática democrática. E com a Abraço não é diferente: mas em 13 anos de existência a entidade teve somente dois presidentes e uma direção colegiada. Isso, porém, não vem ao caso. A questão vale para todas as entidades: a direção eleita representa todo colegiado? Representa politicamente, claro, mas não necessariamente no conjunto. E isso vale não apenas para associações, mas também para sindicatos. Lula é o presidente de todos os brasileiros, mas as suas posições não são necessariamente as que eu defenderia. O presidente do Sindicato dos Jornalistas, em quem eu votei, pode tomar atitudes que são contra a minha vontade – isto é, embora tenha legitimidade para atuar em nome dos jornalistas não necessariamente representa meus interesses.
Na verdade, quando um grupo chega ao poder (à Presidência da república ou da associação dos caçadores de coelho marrom) na melhor das hipóteses ele representa bem mais os seus parceiros de grupo que o conjunto dos associados. Mas e quando a eleição foi forjada, com delegados comprados e houve desvio de grana para campanha? Este que se elegeu representa todo coletivo? Evidente que não. Não estamos dizendo, claro, que isso aconteceu na Abraço. Estamos apenas reafirmando que a direção de uma entidade (seja lá qual for) é um grupo que, embora legitimada do ponto de vista estatutário e diante das leis, não necessariamente defende seus associados; mas, com certeza, defende os interesses do grupo majoritário.
O Estado
Analisada a questão da entidade, o que dizer sobre o Estado brasileiro assinando este “acordo”?
Corrija-se: o tal acordo é um pretenso documento de duas laudas, sem timbre, assinado por três representantes do Estado: Marcelo Bechara, consultor jurídico do Ministério das Comunicações; Otoni Fernandes Junior, sub-chefe-Executivo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República; Gerson Almeida, Secretário nacional de articulação social da Secretaria Geral da Presidência da República. Curiosamente, o texto, divulgado como um acordo feito entre a Abraço e o Governo, não traz a assinatura de nenhum dirigente da Abraço! Como uma entidade faz um acordo e não assina o papel que viabiliza esse acordo? (O documento está disponível em: www.abraconacional.org/primeira_pagina/resultados_confecom.pdf)
Outras dúvidas são pertinentes: quem delegou a esses funcionários de Governo o poder de assinar um documento em nome do Estado? Não caberia aos ministros, seus chefes, essa responsabilidade? Qual a validade de um documento assinado por funcionários do segundo e terceiro escalão? A responsabilidade que esses agentes estão assumindo pode ser cobrada? Qual a validade e legitimidade desse documento sem timbre oficial do Estado e muito menos da entidade privada, a Abraço?
São perguntas cujas respostas evidenciam a precariedade do documento. O fato é que o Estado brasileiro não poderia fechar acordo com uma entidade privada, uma associação, uma ONG, sobre um conjunto de ações a serem desenvolvidas que dizem respeito a todas as rádios e não apenas à Abraço. A Confecom poderia (e foi) o fórum adequado para se discutir e avaliar propostas para o setor, mas o pretenso acordo foi estabelecido com uma só entidade, a Abraço; e extra-Confecom.
Tudo isso nos leva a imaginar que o documento seria apenas uma carta de intenções políticas. No melhor sentido, uma promessa sem garantias; no pior sentido, uma farsa, construída com o fim de enganar o movimento e exibir um falso poder político da Abraço sobre o Executivo. Não há como averiguar onde está a verdade. No entanto, uma coisa é certa, os que assinaram este documento – entre eles o consultor jurídico do ministério das comunicações – sabiam que ele não é um documento e muito menos um acordo – está claro que ninguém pode cobrar a sua execução dos que o assinaram (funcionários subalternos no Estado) em nenhuma instância jurídica. Isto é, qual a validade de um acordo que não pode ser cobrado? Considere-se ainda que o consultor jurídico do Minicom, findada a Confecom, foi trabalhar na Anatel. Se antes não representava o Minicom, muito menos agora.
O fato é: não há acordo.
Os termos do acordo não firmado
Feitas as ressalvas quanto à legitimidade e representatividade da Abraço junto ao Estado e à sociedade, bem como a relação desse documento com o Estado brasileiro, podemos agora avaliar o seu conteúdo.
O texto de abertura é confuso, juntando concepções genéricas sobre a importância da Confecom, a importância das rádios comunitárias e a democratização da mídia, e informando que “a Abraço é uma organização que congrega entidades que tem interesse nesse serviço de radiodifusão”.
O quinto parágrafo do documento é o que nos interessa. Diz lá:
“Muitas das iniciativas da entidade são propostas apoiadas pelo governo, outras inclusive já encaminhadas” (sic).
Estas duas linhas de texto abrem, sem os dois pontos de praxe, para as linhas desse pretenso acordo. Acordo?
Isto é importante: embora a Abraço diga que foi fechado um acordo aqui não diz isso. O fato é que não como entender nessas duas linhas que se trata de um acordo. O texto não diz isso!
Insistimos, quem assinou o documento estava ciente de que não estava assinando um acordo. A palavra “acordo” – ou algo parecido - não aparece no documento. Portanto, mesmo que este papel fosse assinado pelos três ministros, nos termos em que foi redigido, não tem nenhuma validade. Ninguém pode cobrar nada na Justiça. Aliás, em lugar nenhum. Não há como cobrar do Executivo pelo que “prometeu”, porque não foi prometido nada. Hoje, se cobrados, qualquer um dos três que assinaram o documento podem questionar: “mas onde, no texto, diz que nós fizemos um acordo ou assumimos o compromisso de que faríamos isso ou aquilo?” É verdade não tem isso. Ninguém pode ser cobrado por assinar acordo e não cumprir se o texto não diz isso. Esse papel é um blefe.
Se fosse um acordo, o documento, no mínimo, deveria conter expressões como: “as partes acordam em...”; ou, “o ministério X se compromete a...”; ou, “por este acordo, cabe ao ministério X e a secretaria Y fazer...”; ou, “por este documento nos comprometemos a...”; ou, quem sabe, “em nome das instituições que representamos nós, abaixo assinados, nos comprometemos a...”; ou ainda, “a Presidência da República se compromete a...”. São várias as opções de texto, mas nenhuma delas está no texto.  Por este documento (se é que é um documento), os signatários podem até viabilizar algumas propostas, mas não há nada que os obrigue a fazer isso, o documento que assinaram não diz isso. Portanto seu valor é zero. Um acordo decente prevendo a realização de algo por uma das partes tem prazo. Este documento não aponta prazo nenhum. Ele é inútil sob todos os pontos de vista. Insistimos, eis um grande blefe.
Será que os funcionários do Estado que assinaram o acordo não perceberam isso? Será que os dirigentes da Abraço não perceberam que o texto não trata de acordo, compromisso, ou algo parecido? Será que os envolvidos (dirigentes da Abraço e representantes do Estado) não notaram que o papel assinado não vale nada porque não há acordo ou compromisso? Será que os dirigentes da Abraço continuam divulgando esse documento inútil como acordo porque, inocentemente, acreditam que se trata de um acordo? Ou estão sendo cúmplices desse blefe?
É preciso ainda observar dois aspectos deste papel: 1) a redação é confusa, deixando margem à dúvidas e subentendidos; 2) é um documento sem data!
Já não bastasse a ausência de prazos, também falta a data em que o “acordo”, foi firmado. Ora, como se pode considerar tal papel como documento, ou “acordo”, se ele não tem o timbre oficial de nenhuma entidade ou do Governo, não deixa claro que é um acordo entre as partes, não tem a assinatura de uma das partes, e não tem a data em que foi elaborado?! Heitor Reis, engenheiro e antigo militante da área, além de também observar questões como estas, no artigo, “Professor de comunicação manipula a informação!”, faz notar ainda que o “documento” assinado pelos três personagens do Estado nem título tem!
O que é isso, então? Um engodo. Uma farsa. Um blefe. Não existe acordo! Defender esse papel como “acordo da Abraço com o Governo” é mentir para os militantes das rádios comunitárias.
Feitas essas digressões, analisemos as propostas da Abraço contidas nesse papel divulgado como “acordo”:
a) “Criação da subsecretaria de Radiodifusão comunitária”.
A proposta é antiga e perfeitamente válida. Os dois Grupos de Trabalhos (GTs) já tinham feito essa proposta, mas até hoje o Governo a desprezou.
b) “Abertura de aviso de habilitação permanente...”
Uma boa proposta.
c) “Criação de lista única (disponibilizada na internet) dos processos...”
Se este Governo cumprisse a Constituição e os princípios da administração pública estabelecidos em lei ordinária quanto à transparência não precisava que lhe cobrassem isto.
d) Agilização dos processos com a contratação de mais servidores.
Outra boa proposta. E também das antigas. Foi apresentada pelo primeiro GT, há mais de 5 anos. É que o Governo tem o hábito de criar GTs e depois jogar no lixo suas conclusões e propostas.
e) “Realização de mutirão com o intuito de colocar em dia os processos que estão em tramitação no Ministério das Comunicações”.
Mais uma proposta que não é novidade.
f) “Consideração de processos, de solicitação de outorga, arquivados pelo Ministério das Comunicações” (grifo nosso).
Entenda-se a expressão “consideração” como uma proposta de reavaliação dos processos arquivados. A medida é boa, afinal muitas emissoras foram discriminadas por razões políticas ou religiosas. O ideal, porém, seria uma revisão de todos os processos, incluindo as autorizadas.
Existe um número considerável de emissoras que não são comunitárias, mas têm autorização. Elas pertencem à igrejas ou políticos. O Ministério das Comunicações deu a outorga para essas emissoras. Trata-se de ilegalidade divulgada várias vezes aqui nesse Observatório. Vide o trabalho executado pelo professor Venício Lima e pelo consultor da Câmara, Cristiano Lopes, denunciando a distribuição de rádios comunitárias para padres, pastores e políticos.
Portanto, antes de tentar dar rapidez ao processo, seria necessário sanear o lugar em que os processos tramitam. Ou corremos o risco dessas ilegalidades continuarem ocorrendo. O problema é que o Governo não cumpre a lei. Se este fosse um país sério o ministro Hélio Costa, e aqueles que promoveram tais irregularidades, contrariando o que diz a Lei 9.612/98, certamente estariam sendo submetidos a um processo administrativo por agredirem a legislação das rádios comunitárias e por acatarem o tráfico de influência dentro do ministério.
Por que a Abraço não incluiu entre as suas propostas o saneamento do setor, algo tão necessário para quem faz rádio comunitária?
g) “Criação de representações estaduais do Ministério das Comunicações...”
Uma boa proposta. E o Governo costuma prometer viabilizá-la... no futuro.
h) “...nenhum processo de solicitação de outorga poderá ser indeferido sem que seja oferecido ao solicitante ampla possibilidade para adequação as exigências legais”.
Isto já deveria estar ocorrendo. É um direito. O Governo, porém, não aceita.
i) “revogação da legislação que considera crime a operação de emissoras sem autorização, tendo inclusive encaminhado Projeto de Lei neste sentido, ao qual serão aceitas emendas” (sic) grifo nosso.
Esta é a questão mais temerária neste pretenso acordo da Abraço com o Governo.  O Projeto de Lei (PL) encaminhado ao Congresso Nacional pelo Governo (nº 4573/08), ao qual se refere o texto do “acordo”, é um ato de má fé do Executivo. O referido PL torna maior ainda a repressão às rádios comunitárias. Sobre o tema publiquei artigo neste Observatório denunciando a proposta indecente do Governo.
Fontes dentro da Abraço dizem que a entidade negociou com o Ministério da Justiça a redação deste PL. Talvez não seja verdade. Mas, se for, a Abraço terá cometido uma das ações mais vis contra quem foi punido por colocar no ar emissora sem autorização. Defender uma proposta como essa é trair aos muitos guerreiros e guerreiras que enfrentaram os agentes da Anatel e da Polícia Federal, muitas vezes armados de fuzis e metralhadoras.
O PL do Governo é um complexo emaranhado de citações de outras legislações, corrigindo ou eliminado artigos aqui e ali, acrescentando expressões, e dando a impressão de que busca uma melhoria na legislação. E não é verdade. O texto oblíquo, quase parnasiano, tinha uma intenção: fazer-se complexo para confundir o leitor, e assim ele não percebesse que o projeto é um engodo.
Pelo PL, agora quem vai tratar de “rádio pirata” não é a legislação referente à comunicação, mas o Código Penal.
Por exemplo, havia no Código Penal punição para quem “expõe a perigo” e outra punição no caso de “naufrágio,... queda ou destruição de aeronave”. Se o acidente ocorria, a punição era maior. Existe uma diferença muito grande nisso. O PL do Governo diz que basta a pessoa expor a aeronave ao perigo (não precisa que ocorra o acidente) para que ela seja condenada a pena de reclusão de dois a cinco anos. Hoje esse tipo de ameaça (reclusão) paira somente sobre aquelas emissoras sem autorização; se esse projeto for aprovado todas podem ser citadas.  O PL, portanto, é uma tentativa camuflada de legitimar os abusos hoje cometidos pelos órgãos de repressão.
Em resumo, diz a proposta do Governo, que a Abraço estaria apoiando com esse “acordo”:
1) O Código Penal - e não mais a Lei 4.117/62 ou a Lei 9472/97 – pode ser o instrumento central para reprimir as emissoras, autorizadas ou não.
2) Emissoras autorizadas ou não autorizadas podem ter seus equipamentos apreendidos e seus dirigentes podem ser submetidos ao processo penal. (Antes isso ocorria somente com as não-autorizadas).
3) No Código Penal substitui-se a pena de “detenção, de um a seis meses, ou multa (art. 151) por uma de “reclusão de dois a cinco anos” (art. 261). Trocou seis por meia dúzia mais um pouco.
4) A redação permite uma leitura subjetiva sobre a existência de crime. Um juiz, ou mesmo um desses agentes (!), pode achar que a emissora está provocando interferências em sistemas de segurança, equipamento hospitalares (aparelho de tomografia diz o texto!), telecomunicações e aeroviário, e fechar a emissora.
O leigo pode até acreditar que falta realmente um Projeto de Lei que anistie os que estão sendo punidos por colocar rádio sem autorização. Mas não é o fato. Quase meia de dúzia de Projetos de Lei tramitam na Congresso Nacional tratando de anistia. Em meados de 2008 a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados aprovou relatório com substitutivo do deputado Walter Pinheiro (PT-BA), pela anistia. O substitutivo é bom. E foi encaminhado à última comissão da Câmara, prevendo, se aprovado, ir ao Senado e então à sanção do presidente Lula. Restavam somente dois passos.
Mas o Governo Federal não estava satisfeito com uma provável anistia dos radialistas e dirigentes de rádios comunitárias. E encaminhou este PL (nº 4573/08) ao Congresso Nacional, que, como vimos aqui, é mais que um retrocesso, é uma ação maquiavélica contra as rádios comunitárias.
Quem defenderia este projeto? O Governo, certamente, considerando sua postura histórica contra as rádios comunitárias. Mas e a Abraço? Com o “acordo”.
O texto do documento sugere que ao PL “serão aceitas emendas”. Como emendas? Se já temos um PL de qualidade, aprovado na Comissão de mérito, porque deveríamos aceitar esse trambolho e nele fazer emendas? Como se remenda algo que já nasce um traste velho, podre, mofado? Não há como. A pergunta correta é: se já temos um bom PL por que deveríamos tentar remendar o lixo? Por que veio do Governo? Por que veio do PT? É injustificável para a Abraço, ou outra entidade que atua no meio, a defesa de um Projeto de Lei que é contra as rádios comunitárias.
E tem mais, propor “fazer emendas”, como diz o texto, é criar uma falsa expectativa. Quem conhece o mínimo do parlamento nacional sabe o quanto é difícil fazer emendas ao texto. Seria preciso uma articulação fabulosa envolvendo partidos e parlamentares, para fazer aquilo que parece óbvio: defender o PL substitutivo de Walter Pinheiro e jogar no lixo o PL encaminhado pelo Governo.
j) “comprovação da interferência por laudo técnico de engenheiro. Notificação da emissora outorgada para apresentação de defesa prévia. Caso a defesa prévia não seja aceita, notificação estabelecendo prazo para a emissora outorgada se adequar às especificações técnicas. Caso não seja atendida a notificação deverá ser aplicada multa. Em caso de reincidência aplicação de multa com o valor dobrado. Em caso de nova reincidência, apreensão dos equipamentos” (sic).
A proposta é positiva.
k) “Aumento do número de canais (...) com a alocação de, no mínimo, três canais na faixa de 88 a 108 MHz. A existência de um único canal para as rádios comunitárias gera problemas nas grandes cidades”.
A proposta não é ruim, mas merece um debate. Primeiro, três canais na faixa de FM pode ser demais. O certo é estabelecer uma partilha do espectro. Algo assim: um terço para emissoras comerciais; um terço para comunitárias; um terço para estatais e educativas.
Quanto a gerar problemas nas grandes cidades isso é meia verdade. Um só canal gera problemas em todas as cidades – grandes ou pequenas. Basta aparecer uma outra rádio comunitária e os sinais vão se bater no ar.
l) “destinação de publicidade institucional e de utilidade pública considerando a lei”.
A redação é insatisfatória. Faltou dizer a quem cabe a destinação de publicidade. Imagina-se que do setor público. Imagina-se... Mas faltou o principal, estabelecer uma definição para apoio cultural, algo que a Norma Operacional 01/04 falsamente define e os agentes da Anatel, conforme o humor, multam quem acha que merece ser multado.
m) “Liberação de rede entre rádios comunitárias em casos de calamidade pública”.
Proposta desnecessária. O artigo 16 da Lei 9.612/98 já estabelece isso. Na verdade, o que as rádios querem é o direito de entrar em rede para veicular programas, em especial as redes de jornalismo, como existem em algumas regiões do país. Entrar em rede para cobrir calamidades já está na lei.
Propostas
Já que se fala em propostas, seria o caso de apontar algumas que faltaram nesse documento divulgado pela Abraço. Eis algumas propostas deixadas de lado pelas partes envolvidas:
1) Fim dos negócios políticos com rádios comunitárias na Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Existe uma vergonhosa central de favores funcionando no Palácio do Planalto, liberando processos de rádios para aliados e parceiros.
2) Canais para rádios comunitárias, somente dentro do espectro eletromagnético de FM. A Anatel insiste em locar todas as rádios comunitárias fora do dial, abaixo de 88 MHz. Algumas emissoras, como a de Heliópolis, São Paulo, foram obrigadas a fazer isso. E o resultado é catastrófico - ninguém escuta a rádio. E por uma razão simples, os aparelhos de rádio não foram construídos para captar abaixo de 88 MHz.
3) Proteção contra interferências. O artigo 22 da Lei 9.612/98 diz que as rádios comunitárias não têm proteção contra interferências das comerciais, mas se ocorre o contrário, se uma emissora comunitária interfere em outro serviço será devidamente punida.
4) Alcance/potência: conforme as dimensões da comunidade.
5) Fim da exigência de que os diretores devem morar dentro do raio de alcance da rádio, 1 Km, conforme estabelece a Norma 01/04.
6) Definir “apoio cultural” como publicidade ou patrocínio do programa.
7) Revogação do art. 70 da lei 4.117/62, criado pelo regime militar. Revogação do art. 183 da Lei 9472/97 (Lei Geral de Telecomunicações). Os dois dispositivos são usados na repressão ás rádios de baixa potência. Edição de Medida Provisória anistiando os punidos por eles.  
8) Revogação do Art. 3º da Lei 10.871/04, atribuindo aos agentes da Anatel o poder de “interditar estabelecimentos, instalações ou equipamentos, assim como a apreensão de bens ou produtos, e de requisitar, quando necessário, o auxílio de força policial federal ou estadual, em caso de desacato ou embaraço ao exercício de suas funções”. Antes de chegar ao poder, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), o Partido dos Trabalhadores questionou esse poder da Anatel no Supremo Tribunal Federal. Mas, depois que chegou ao poder, o Governo petista encaminhou ao Congresso Nacional, projeto (que se tornou a lei 10.871), defendendo exatamente o contrário do que falava antes. Isto é, o que era inconstitucional agora é lei.
9) Criar fundo para as rádios comunitárias. Há diversos projetos neste sentido tramitando no Congresso Nacional.
Infelizmente o Governo Lula chega ao final do mandato de forma melancólica no que se refere às rádios comunitárias. Ao longo desses quase 8 anos os emissários do Governo (burocratas, tecnocratas, ou carrapatos do poder) enviados para dialogar com o movimento das rádios comunitárias mudaram de discurso, mas não de prática. Eles sempre tentaram enrolar, engabelar, enganar, criando GTs, fazendo propostas que se sabem inexequíveis. O pretenso acordo, apresentado ao final da Confecom, é mais uma tentativa de engabelação. Apesar da propaganda, ele não tem nada de formal, de legal, de oficial. Pode ser considerado, no máximo, uma conversa que se pôs no papel. E uma conversa que mais recua que avança, mais se submete que dá autonomia ao movimento das rádios comunitárias. Enfim, divulgar esta conversa enviesada (quando se acatariam propostas que são contra o movimento) como se acordo fosse, é sustentar a farsa, é ir contra as rádios comunitárias.
Acordo não há. Acordo não está no papel. O Governo não tem nenhum compromisso com aquilo que está ali. E se por acaso ele resolver implantar algumas dessas propostas será por razões políticas, talvez para reduzir a imagem negativa que tem junto às rádios comunitárias, e jamais por causa de um acordo, ou do que está nesse papel sem timbre, sem data, sem a assinatura de uma das partes, sem prazos, sem compromissos firmados. É triste que reconhecer que se trata de mais um blefe.
Dioclécio luz é jornalista, autor dos livros, “A arte de pensar e fazer rádios comunitárias” e “Trilha apaixonada das rádios comunitárias...”, mestrando em comunicação da Universidade de Brasília.
http://www.piratininga.org.br/

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Blogueiros progressistas defendem democratização da comunicação no Brasil

21/09/2010

Um mês após o 1o. Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas, em São Paulo, os participantes divulgaram, hoje, a carta que resultou dos debates.  O texto defende a democratização da comunicação no Brasil e a implementação das propostas da Conferência Nacional de Comunicação; o Plano Nacional de Banda Larga e defende a neutralidade da internet. Veja abaixo:

A CARTA DOS BLOGUEIROS PROGRESSISTAS
“A liberdade da internet é ainda maior que a liberdade de imprensa”. Ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF)

.Em 20, 21 e 22 de agosto de 2010, mulheres e homens de várias partes do país se reuniram em São Paulo para materializar uma entidade, inicialmente abstrata, dita blogosfera, que vem ganhando importância no decorrer desta década devido à influência progressiva na comunicação e nos grandes debates públicos.
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A blogosfera é produto dos esforços de pessoas independentes das corporações de mídia, os blogueiros progressistas, designação que se refere àqueles que, além de seus ideais humanistas, ousaram produzir uma comunicação compartilhada, democrática e autônoma. Contudo, produzir um blog independente, no Brasil, ainda é um gesto de ativismo e cidadania que não conta com os meios adequados para exercer a atividade.

Em busca de soluções para as dificuldades que persistem para que a blogosfera progressista siga crescendo e ganhando influência em uma comunicação dominada por oligopólios poderosos, influentes e, muitas vezes, antidemocráticos, os blogueiros progressistas se unem para formular propostas de políticas públicas e pelo estabelecimento de um marco legal regulatório que contemple as transformações pelas quais a comunicação passa no Brasil e no mundo.

Com base nesse espírito que permeou o 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, os participantes deliberaram em favor dos seguintes pontos:

1. Apoiamos o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), de iniciativa do governo federal, como forma de inclusão digital de expressiva parcela do povo brasileiro alijada da internet no limiar da segunda década do século XXI. Esta exclusão é inaceitável e incompatível com os direitos fundamentais do homem à comunicação em um momento histórico em que os avanços tecnológicos na área já são acessíveis em diversos países.

Apesar do apoio ao PNBL, os blogueiros progressistas julgam que esta iniciativa positiva ainda precisa de aprimoramento. Da forma como está, o plano ainda oferece pouco para que a internet possa ser explorada em todas as suas potencialidades. Reivindicamos a universalização deste direito, que deve ser encarado com um bem público. A velocidade de conexão a ser oferecida à sociedade sem cobrança dos custos exorbitantes da iniciativa privada, por exemplo, precisa ser ampliada.

2. Defendemos a regulamentação dos Artigos 220, 221 e 223 da Constituição Federal, que legislam sobre a comunicação no Brasil. Entre outras coisas, eles proíbem a concentração abusiva dos meios de comunicação, estimulam a produção independente e regional e dispõem sobre os sistemas público, estatal e privado. Por omissão do Poder Legislativo e sob sugestão do eminente professor Fabio Konder Comparato, os blogueiros progressistas decidem apoiar o ingresso na Justiça brasileira de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) com vistas à regulamentação dos preceitos constitucionais citados.

3. Combatemos iniciativas que visam limitar o uso da internet, como o projeto de lei proposto pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), o “AI-5 digital”, que impõe restrições policialescas à liberdade de expressão. Defendemos o princípio da neutralidade na rede, contra a proposta do chamado “pedágio na rede”, que daria aos grandes grupos de mídia o poder de veicular seus conteúdos na internet com vantagens tecnológicas, como capacidade e velocidade de conexão, em detrimento do que é produzido por cidadãos comuns e pequenas empresas de comunicação.

4. Reivindicamos a elaboração de políticas públicas que incentivem a blogosfera e estimulem a diversidade informativa e a democratização da comunicação. Os recursos governamentais não devem servir para reforçar a concentração midiática no país.

5. Cobramos do Executivo e do Legislativo que garantam a implantação das deliberações da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em especial a da criação do imprescindível Conselho Nacional de Comunicação.

6. Deliberamos pela instituição do encontro anual dos blogueiros progressistas, como um fórum plural, suprapartidário e amplo. Ele deve ocorrer, sempre que possível, em diferentes capitais para que um número maior de unidades da Federação tenha contato com esse evento e com o universo da blogosfera.

7. Lutaremos para instituir núcleos de apoio jurídico aos blogueiros progressistas, no âmbito das tentativas de censura que vêm sofrendo, sobretudo por parte de setores políticos conservadores e de grandes meios de comunicação de massas.

São Paulo, 22 de agosto de 2010.

Justiça fixa prazo para apreciação de outorgas de rádios comunitárias

Decisão vale para os 152 pedidos de rádios do Piauí, que deverão ser apreciados em 120 dias. Os pedidos novos terão prazo de 180 dias.

O Ministério Público Federal no Piauí (MPF/PI) conseguiu na Justiça a fixação de prazo de 120 dias para a União apreciar os pedidos pendentes de autorização de funcionamento do serviço de radiodifusão comunitária formulados por entidades do estado. Em relação a novos pedidos, a União deverá obedecer ao prazo de 18 meses.

O descumprimento da sentença, segundo o juiz Nazareno César Moreira Reis, da 1ª Vara Federal do Piauí, implicará multa diária no valor de R$ 5 mil. Isso se dará sem prejuízo das sanções penais, civis, administrativas e por improbidade a que estarão sujeitos os agentes públicos locais, cujo termo se iniciará 120 dias após a publicação da sentença, datada de 31 de agosto de 2010. Em caso de aplicação de multa, os recursos arrecadados serão revertidos ao Fundo de Defesa Civil dos Direitos Difusos (FDD).

A Justiça acolheu os argumentos do MPF de que a União vinha prejudicando o exercício dos direitos à comunicação ao adiar injustificadamente a apreciação dos pedidos de outorga de radiodifusão comunitária, além do prazo razoável exigido pela Constituição Federal. Prova documental apresentada pelo MPF demonstrou para a Justiça que no estado do Piauí, em julho de 2007, havia 152 entidades que estavam na primeira etapa do procedimento previsto na legislação. Dessas, 34 permaneciam nessa fase desde 1998. (Da redação)
http://www.telesintese.com.br/index.php/plantao/15873-justica-fixa-prazo-para-apreciacao-de-outorgas-de-radios-comunitarias

O rádio como aparato de comunicação

Discurso sobre a função do rádio

Bertolt Brecht


A nossa organização social, que é anárquica – se é que se pode imaginar uma anarquia da organização, ou seja, uma confusão mecânica e despro-vida de significados, largamente ordenada em torno da complexidade da vida pública –, a nossa organização social, nesse sentido, anárquica, possibilita que se façam e se desenvolvam invenções, que ainda estão por conquistar o seu mercado e por demonstrar a justificativa de sua existência; estamos falando, em resumo, de invenções que não são encomendadas. assim, a técnica pôde adiantar-se a tal ponto que engendrou o rádio numa época em que a sociedade não estava madura para acolhê-lo. não era o público que aguardava o rádio, senão o rádio que aguardava o público, e para melhor caracterizar a situação do rádio: não era a matéria-prima que esperava pelos métodos de produção com base numa necessidade pública; eram os métodos de produção que procuravam ansiosamente pela matéria-prima. Tinha-se, repentinamente, a possibilidade de dizer tudo a todos, mas, pensando bem, não havia nada a ser dito. e quem seriam esses todos ?

No começo, o homem contentou-se com a ausência de reflexão em torno do assunto. ele olhava em torno de si, procurando por algum lugar onde algo era dito a alguém, e buscava imiscuir-se ali e, concorrencialmente, dizer algo a alguém. Foi esse papel de representante que o rádio desempenhou em sua pri-meira fase – representante do teatro, da ópera, da audição musical, de palestras, do café-concerto, da imprensa local etc.

Desde o início, o rádio imitou quase todas as instituições existentes que se relacionavam com a difusão do que era falado ou cantado: produziram-se confusão e atritos incontornáveis na construção de uma torre de Babel. nesse armazém acústico, podia-se aprender a criar galinhas – em inglês e ao som do Coro dos Peregrinos – e a lição era barata como a água encanada. essa foi a juventude dourada de nosso paciente. não sei se ela já acabou, mas, se de fato acabou, esse jovem, que para nascer não teve de apresentar nenhum atestado de competência, terá de procurar, ao menos doravante, um objetivo na vida. É como o homem que se encontra em seus anos de maturidade, quando já perdeu a inocência, e que se pergunta para que, afinal de contas, ele está no mundo.

No que diz respeito a esse objetivo de vida do rádio, ele não poderá, em minha opinião, consistir simplesmente no embelezamento da vida pública. Para isso, ele não apenas já se revelou pouco adequado, como também a nos-sa vida pública mostra, infelizmente, pouca aptidão para ser embelezada. não faço objeções à introdução de aparelhos receptores de rádio nos albergues dos desempregados e nas prisões (pensa-se evidentemente que, por seu intermédio, poder-se-á prolongar a baixo custo o tempo de vida dessas instituições), mas essa não pode ser a tarefa precípua do rádio, a de instalar receptores sob os arcos das pontes, mesmo quando ela traduz um gesto nobre, o de prover aqueles que irão passar a noite ali com o mínimo necessário, ou seja, com a apresentação dos “Mestres-Cantores”. aqui é preciso tato. também, como método para restabe-lecer a afeição ao lar e possibilitar mais uma vez a vida em família, o rádio não é, até onde eu possa ver, suficiente, cabendo ainda perguntar se o que ele não pode alcançar seria, ao menos, desejável. Contudo, abstraindo-se a sua função duvidosa (quem muito traz acaba por nada trazer), o rádio tem uma face, quan-do deveria ter duas. ele é um mero aparato de distribuição, ele simplesmente reparte algo.

E, agora, para ser positivo, ou, em outras palavras, para encontrar o que é positivo no rádio, apresento uma proposta para a modificação de seu funcio-namento: o rádio deve deixar de ser um aparato de distribuição para se trans-formar num aparato de comunicação. o rádio seria o mais admirável aparato de comunicação que se poderia conceber na vida pública, um enorme sistema de canais; quer dizer, seria, caso ele se propusesse não somente a emitir, mas tam- bém a receber; ou, não apenas deixar o ouvinte escutar, mas fazê-lo falar; e não isolá-lo, mas colocá-lo numa relação. o rádio deveria, portanto, sair da esfera do fornecimento e organizar o ouvinte como fornecedor. Por isso, são absolu-tamente positivos todos os esforços do rádio quanto a imprimir nos assuntos públicos um caráter realmente público. o nosso governo precisa, tanto quanto a nossa justiça, dos serviços do rádio. se o governo ou a justiça opõem-se a tais serviços do rádio, agem assim por receio e mostram que se ajustam somente à época em que não havia rádio, para não dizer à época que antecedeu a invenção da pólvora. Conheço tão pouco quanto os senhores as obrigações do primeiro-ministro; é função do rádio esclarecê-las para mim; entre essas obrigações dos altos escalões do governo, inclui-se a seguinte: fazer uso regular do rádio para inteirar a nação de suas atividades e da justificativa dessas atividades. a tarefa do rádio não se esgota, contudo, na transmissão desses relatos.

O rádio deve organizar, além disso, a recepção dos relatos, quer dizer, deve transformar os relatos dos governantes em respostas a questões dos governados. É missão do rádio possibilitar o intercâmbio. ele, sozinho, pode promover as grandes discussões das empresas e dos consumidores sobre a normatização dos artigos de consumo, os debates em torno do aumento do preço do pão, as dis-putas nos municípios.

Se os senhores tomam isso por utópico, peço-lhes então que ponderem por que isso é utópico.

Não importando o que esteja a empreender, o esforço do rádio deve ser o de se contrapor à falta de propósito que torna risíveis quase todas as nossas instituições públicas.

Temos uma literatura despropositada, que não apenas se esforça por não ter nenhum propósito, como também se empenha ao máximo na tarefa de neu-tralizar os seus leitores na medida em que ela apresenta todas as coisas e situa-ções sem as suas respectivas conseqüências. temos institutos de formação incon-seqüentes, que se esforçam ansiosamente por oferecer uma formação desprovida de quaisquer propósitos e que também não é a conseqüência de nada. todas as nossas instituições formadoras de ideologia consideram que a sua principal tarefa é a de manter despropositado o papel da ideologia, em consonância com um conceito de cultura, segundo o qual a formação cultural já estaria concluída e a cultura não careceria de nenhum esforço criativo continuado. não cabe aqui in-vestigar em razão de que interesses essas instituições são inconseqüentes; mas, se um invento técnico, dotado de uma aptidão tão natural para as decisivas funções sociais, propõe-se um esforço tão desesperado para permanecer inconseqüente, envolvido no entretenimento mais inofensivo, então surge de modo incontor-nável a questão sobre a possibilidade de se defrontarem as forças da desconexão por meio da organização dos desconectados. todo avanço nessa direção, por menor que seja, deveria produzir forçosamente um resultado natural, que ul-trapassaria o efeito resultante de todas as realizações de caráter simplesmente culinário. toda campanha com um programa definido, ou seja, toda campanha que intervém efetivamente na realidade, que tem por objetivo a mudança da realidade, mesmo que em pontos de menor importância, como a destinação que se deva dar aos prédios públicos, garantiria ao rádio uma atuação incompara-velmente mais eficaz e lhe conferiria um significado social totalmente diverso se comparado com a sua atual postura meramente decorativa. no que diz respeito à técnica que se desenvolve em todos esses empreendimentos, ela se pauta pela tarefa principal de permitir que o público não apenas seja ensinado, mas que ele também ensine.


Atribuir um caráter interessante a esses empreendimentos educativos, ou seja, tornar interessante o que interessa, constitui uma tarefa formal do rádio. ele pode realizar artisticamente uma parte disso, especialmente a parte destinada à juventude. ao encontro desse empenho do rádio em configurar artisticamente aquilo que se ensina, viriam então os esforços da arte moderna, os quais almejam emprestar um caráter educativo à arte.

Como exemplo desses possíveis exercícios que se utilizam do rádio como aparato de comunicação, fiz comentários, na semana musical de Baden-Baden, de 1929, sobre o “vôo de Lindbergh”. esse é um modelo para um novo empre-go do aparato dos senhores. um outro modelo seria a “Peça didática de Baden sobre o entendimento”. trata-se da parte1  pedagógica desempenhada pelo “ou-vinte”: a da tripulação do avião e a da multidão. ele se comunica com a parte do coro instruído, dos clowns e do enunciador apresentados pelo rádio. atenho-me propositadamente à discussão de princípios, porque a confusão no âmbito da estética não é a causa da confusão sem precedentes na sua função fundamental, senão o seu resultado. não se pode, por meio do juízo estético, eliminar a con-fusão – uma confusão muito útil para alguns – em torno da verdadeira função do rádio. Posso dizer-lhes que o emprego dos conhecimentos teóricos do teatro moderno, isto é, do teatro épico, haveria de produzir resultados muito auspi-ciosos.

Nada é menos adequado que a velha ópera, a qual objetiva a produção de situações extáticas, pois ela depara no ouvinte o homem isolado, e dentre todos os excessos alcoólicos nenhum é mais pernicioso que a embriaguez taciturna.

O velho drama da dramaturgia shakespeariana é, também, praticamente inútil no rádio, pois diante do espectador não é a multidão, é o sujeito só e isolado que é levado a investir sentimentos, simpatias e esperanças em intrigas cujo único objetivo é ensejar ao indivíduo dramático a oportunidade de se ex-pressar.

O teatro épico, com o seu caráter numérico, com a separação dos elemen-tos, quer dizer, com a separação entre imagem e palavra, e entre as palavras e a música, e, particularmente, com a sua postura didática, teria a oferecer ao rádio uma infinidade de sugestões práticas. Contudo, o seu emprego meramente es-tético, assim como uma nova moda, de nada serviria, e de velhas modas já esta-mos fartos! se a instituição teatral se dedicasse ao teatro épico, à representação pedagogicamente documentária, então o rádio poderia desenvolver uma forma absolutamente nova de propaganda para o teatro, isto é, poderia desenvolver in-formação real – uma informação imprescindível. um comentário assim, intima-mente ligado ao teatro, um valioso e legítimo complemento do próprio drama, poderia desenvolver formas inteiramente novas. seria ainda possível organizar um trabalho conjunto das organizações teatrais e radiodifusoras. o rádio pode-ria transmitir o coro ao teatro, bem como levar ao espaço público as decisões e produções oriundas da vontade do público que se reuniu em organizações coletivas das peças didáticas etc.

Não vou discorrer sobre esse etc. de propósito, não vou falar das possibili-dades de separar a ópera do drama, e ambos do rádio, ou solucionar semelhantes questões estéticas, embora eu saiba que os senhores talvez esperem isso de mim, uma vez que os senhores tencionam vender a arte por meio de seu aparato. Mas, para ser vendável, a arte, hoje, precisa primeiro ser comprável. e eu prefiro não lhes vender nada; quero tão-somente formular a proposta fundamental em tor-no da transformação do rádio num aparelho de comunicação da vida pública. Isso é uma inovação, uma proposta que parece utópica e que eu mesmo caracte-rizo como utópica quando digo: o rádio poderia, ou o teatro poderia; sei que as grandes instituições não podem fazer tudo aquilo que seriam capazes de fazer, também não podem tudo o que querem. elas desejam ser abastecidas por nós, ser renovadas, mantidas vivas por meio de inovações.

Não nos cabe, contudo, absolutamente, restaurar por meio de inovações as instituições ideológicas, que têm por base a ordem social vigente. Cabe-nos, antes, levá-las à entrega de sua base por meio de inovações. assim sendo, pelas inovações! Contra a restauração! Por meio de propostas que sempre avançam e nunca cessam, visando promover um melhor emprego do aparato em razão do in-teresse público, temos de abalar a base social desse aparato, e desacreditar o seu emprego em função do interesse de poucos.

Irrealizáveis nessa ordem social, realizáveis numa outra, essas propostas, que constituem apenas uma conseqüência natural do desenvolvimento técnico, servem à propagação e formação dessa outra ordem.


Nota
1 Parte, na acepção de componente de uma composição musical, nesse caso, de uma das vozes de um coro. (n.t.)

Bertolt Brecht, poeta e dramaturgo alemão, nasceu em augsburg, alemanha, em 1898, e morreu em Berlim, em 1956.

Tradução de Tercio Redondo. o original em alemão – Der rundfunk als Kommu-nikationsapparat –  encontra-se à disposição do leitor no Iea-usP para eventual con-sulta.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A necessidade da “pura mídia” ou mídia livre.

O controle da mídia no Brasil, não resta à menor dúvida, esta (va) concentrada nas mãos de meia dúzia de famílias, as quais, merce de seus intere$e$ econômico$ faz (ia) o que quer (ia). Dentro da máxima de “liberdade de imprensa”, fabricam escândalos; promovem bandidos; falseiam com a verdade; dissimulam; mentem e com todo cinísmo perculiar, tentam reverter tendência eleitoral em cima da própria mediocridade. Como diz um adágio popular “não querem largar o osso”. 
 
Foi-se o tempo em que a poderosa REDE GLOBO DE TELEVISÃO, REVISTA VEJA e a turma do “PIG” elegiam ou derrubavam presidentes, davam as ordens no Congresso e no Senado, faziam com que as leis fossem aprovadas de acordo com sua sede incansável pecuniária e ao sabor de suas vontadas inconfessáveis. 
 
O que foi que mudou? 
 
A proliferação da mídia alternativa, através das redes públicas de televisão (Tvs Comunitárias, Educativas, Legislativas, Universitárias,etc) ; blogs; redes sociais; websites, jornais regionais e até mesmo a Empresa Brasileira de Comunicação – EBC (TV Brasil), começaram a merecer o respeito do povo em geral. A mídia mercadológica, por sua incoerência e destacada afinidade para a mediocridade, acabou por ser vítima do próprio golpe. Não existem “vaquinhas de presépio”, acabaram-se as “massas de manobra” e o povo acredita mais nas articulações de quem realizou em benefício deste mesmo povo. 
 
E neste patamar encontra-se o presidente Lula que conseguiu esta proeza de transformar a vida de milhares de pessoas. A alta estima do brasileiro está em alta. Sua crença e confiança em uma política social de resultado fazem com que caminhem na direção indicada pelo presidente na continuidade de seu Programa de Aceleração – PAC, que para desespero de alguns, provou que foi a melhor coisa que já aconteceu nesta terra de Cabral. 
 
Fatores sociais contam nesta hora e a mudança de um número significativo de pessoas da linha da pobreza para a classe média, e esta por sua vez, elevando-se na condição de melhoria econômica, com o poder de compra acentuada, onde já adquire computadores, internet e meios afins, passou a falar por sí próprio sem sofrer a influência nefasta de um oligopólio que tantos prejuízos trouxeram a nação brasileira. E paralelo a isto, a MÍDIA LIVRE caminha com celeridade, de cabeça erguida, com a cumplicidade de quem sempre sonhou que houvesse a verdadeira democratização da comunicação neste país. 
 
O que o PIG mais teme, é perder o bolo midiático, este latifúndio governamental que por tantos anos foi o principal filão de cada veículo de comunicação destas abastadas famílias mercadológicas. A possibilidade de Dilma Rousseff modificar a regra do jogo, estendendo para as mídias do campo público uma fatia maior do bolo publicitário, faz com que os donos de veículos de grande porte entrem em pânico e usem de todos os meios sórdidos para tentar barrar esta ascenção da futura presidente. 
 
Vem aí a votação do PL 29, com sensíveis modificações, dentro de um cenário mais animador, fora do controle desta mídia velhaca que estara definitivamente desmoralizada e desacreditada. A realização da Conferência Nacional da Comunicação e seus avanços, fez recrudescer nos barões da mídia o ódio pela mídia livre e seus realizadores. Sabem que os avanços apontados nesta conferência irão subtrair deles o latifúndio governamental de polpudas verbas que eram antes destinadas somente a eles mesmos. O governo futuro não mais irá subsidiar a baixaria e promover a mídia nojenta e inescrupulosa. 
 
A Eleição de 2010 é o fio condutor de um novo tempo, onde haverá a valorização dos que trabalham pela construção de um país mais sério, na produção de notícias e fatos jornalísicos reais, sem invencioníces ou alarmistas. Haveremos de ter uma mídia responsável e que fale a lingua deste povo, cujo ator principal, serão eles mesmos, dentro da regionalização de conteúdos, da valorização do produtor independente e no resgate de uma cultura rica que se encontrava escondida. 
 
Podemos antever um Brasil apartadado de seus tutores maléficos, que durante décadas deram o tom que o povo tinha de dançar. E o povo vai poder sorrir mais livremente, impunemente e zombar do PIG e seus asseclas promovendo a assepsia que precisa ser efetuada para o bem do país. 
 
A verba publicitária do governo federal e suas autarquias deverão deixar de ser o protagonista que financia a podridão moral destes veículos e servirá de combustível para alavancar a mídia livre, sensata e descompromissada com os interesses venais próprios da mídia mercadológica. 
 
E sabe por que esta convicção? Porque na mídia livre há pessoas sensíveis que foram transformadas em Pontos e Pontões de Cultura, Tuxuauas, Griós revelados; mestres e luthiers de destaque em sua área de atuação. Porque o programa CULTURA VIVA, do Ministério da Cultura, o “Do in Cultural” sonhado pelo ex Ministro Gilberto Gil, brilhantemente dirigido pelo Juca Ferreira e idealizado pelo ex Secretário da Cidadania Cultural, Celio Turino, trouxe revelações espetaculares. O Brasil foi desescondido, revelado e passado a limpo. Através da Cultura, esta assepsia que tanto precisava foi feita em uma revolução muda e silenciosa, cujos resultados poderão ser conferidos a partir de 03 de outubro de 2010.  
 
Mário Jéfferson Leite Mello é jornalista, radialista, consultor organizacional para o terceiro setor, diretor presidente da FRENAVATEC – Frente Nacional pela Valorização das TVs do Campo Público e diretor presidente da TV CIDADE DE TAUBATÉ, emissora comunitária. Também é gestor do Ponto de Cultura “Fábrica de Documentários”; Ponto Mídia Livre “Resgate Folclórico”, Pontão de Cultura “Rede Central de Mídia – produçao e distribuição cultural” e Lan House Social
 

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O que é uma rádio pirata?


O que é uma rádio pirata?

Por Valionel Tomaz Pigatti


-O QUE É UMA RÁDIO PIRATA ? -RÁDIOS CLANDESTINAS -RÁDIOS LIVRES -O QUE É RADIO LIVRE E RÁDIO COMUNITÁRIA NO BRASIL


Rádio Pirata é termo que identifica um tipo de atividade específica na radiodifusão sonora. O Termo surgiu no início da década de 60 na Inglaterra para identificar irradiações em FM cuja estação emissora encontrava-se em um navio na costa britânica, porém fora do controle das milhas marítimas.. Essa estação considerada ilegal pelo governo inglês foi montada por jovens que não aceitavam o monopólio estatal e não suportavam as programações das emissoras oficiais controladas pelo governo. A emissora Pirata tinha uma produção musical baseada no movimento de contra cultura que não tinha espaço nas emissoras oficiais e era combatida pela programação conservadora da cultura inglesa. Para combatê-la o governo inglês ampliou seu domínio sobre as milhas marítimas. Quando a rádio Pirata foi apreendida houve uma reação da juventude inglesa que fez surgir centenas de emissoras em território inglês. Portanto o termo Pirata se aplica especificamente as irradiações ilegais que transmitem do mar para a terra. No Brasil o termo foi adaptado sem a preocupação com sua origem e passou, principalmente no Rio de Janeiro, a identificar estações de rádio irregulares. Em São Paulo o termo também foi usado na década de oitenta por algumas emissoras, mas foi logo depois descaracterizado. Nas poucas iniciativas que se tem notícia em meados de 1990, no Rio de Janeiro, a emissora ilegal confundia emissões clandestinas com emissões Piratas já que algumas iniciativas procuravam emitir sem permitir a identificação e tinham uma característica político-partidária.. Em alguns registros fotográficos ou em vídeo os participantes dessas poucas emissoras apresentavam-se fantasiados e mascarados de piratas. O termo pirata passou a ser usado como pejorativo de tudo quanto é ilegal pelos proprietários das grandes emissoras e pela industria de produção cultural para identificar cópias ilegais de seus produtos em música, cinema e vídeo.


Para os latinos e Católicos o termo pirata é associado culturalmente ao mal. Isso deveu-se a atuação dos piratas na libertação da Inglaterra da influência do Santo Império que teve seu momento decisivo na batalha de 1488 onde espanhóis e portugueses, sob a ordens de Roma, com 250 embarcações conhecidas como a Esquadra Fantástica , foram derrotados pelos ingleses que não possuíam mais que 80 embarcações e cuja vitória deveu-se às ações dos seus piratas.


RÁDIOS CLANDESTINAS


As emissoras clandestinas se identificam por emitirem em países onde há Estado de Exceção, onde não existe direitos e garantias individuais ou está sob um regime ditatorial civil ou militar. Nesse sentido as emissoras clandestinas servem a todas as estruturas ideológicas. Na Nicarágua surgiu a Rádio Venceremos onde os sandinistas emitiam suas opiniões e orientações com o objetivo de derrubar o governo de Anastácio Somoza. Ao conquistarem o poder os sandisnistas passaram a ser criticados por outra emissora clandestina organizada por seus inimigos políticos e militares. Rádios clandestinas são usadas em guerras. Na segunda guerra mundial haviam emissoras dos ingleses que emitiam em alemão e dos alemães que emitiam em inglês. Essas emissoras eram clandestinas e tinham objetivo estritamente político, fazendo parte dos instrumentos de guerra. Fidel Castro e seu grupo criaram uma emissora clandestina que irradiava em Cuba até a tomada do poder em 1959. A ditadura militar no Brasil preocupada com o uso de emissoras de rádio clandestinas por forças de esquerda criou o decreto 236 com seu artigo 70 em 1967complementando a Lei 4.117 de 1962. Porém a esquerda brasileira nunca usou de meio de comunicação eletromagnético clandestino, o decreto acabou servindo para punir os responsáveis pelos projetos de comunicação de baixa potência, ainda hoje.



RÁDIOS LIVRES


Quando a emissora inglesa pirata foi apreendida e começou a surgir centenas de emissoras dentro do território inglês, esse movimento passou a se chamar de rádios livres, mesmo porque o termo pirata não cabia na identificação daquela atividade. As Rádio Livres passaram para o território francês, depois para o italiano, para o alemão e segui-se numa onda acompanhando o desenvolvimento tecnológico da comunicação pelo mundo. As rádios livres existiam desde a década de sessenta nos EUA e lá foram atendidas pelo estado norte-americana que reserva uma parte do Dial para esse tipo de manifestação. Não existem nem concessões e nem permissões para o funcionamento dessas emissoras, apenas regras técnicas para protegê-las do interesse do grande capital. Quem controla essas emissoras é a própria população que pode solicitar seu fechamento.


O QUE É RADIO LIVRE E RÁDIO COMUNITÁRIA NO BRASIL.


As rádio livres surgiram antes das rádios comunitárias e as questões que as diferenciam estão ligadas ao desejo de posse, de propriedade, na preocupação com o conteúdo e também na interpretação do Estado de Direito que pode amparar uma e outra.


Em Radio Livre a preocupação está voltada para a expressão do conteúdo, com o direito a participar do conteúdo, da identidade, da produção cultural, e no combate ao monopólio sobre o conjunto interligado desses bens. Os interessados que se agregam em torno das comunitárias demonstram preocupação com a posse ou propriedade administrativa e burocrática de um meio de comunicação eletromagnético de baixa potência a exemplo do que se tem legalmente com emissoras acima de 300 watts.


Portanto a radio livre ( ou TV Livre) se apoia na Liberdade de Expressão e só pode agir como tal em um regime democrático baseando-se nas Garantias e Direitos Individuais como premia a Constituição de 1988 em seu artigo 5O , inciso 9o e nos pactos que envolvem os países ocidentais como o Pacto de São José da Costa Rica do qual o Brasil é signatário desde 1992. A questão que impulsiona a pratica de rádio livre está umbilicalmente ligada ao conflito com o monopólio da industria cultural fonográfica, cinematográfica, informativa e editorial. Por esse motivo a rádio livre não pode ser compreendida na formação de rede de poder ainda que o conjunto delas, respeitadas suas diferenças, podem se relacionar no que é pragmático e conceptual. Por esse motivo não se coaduna com a representatividade burocrática e, consequentemente, com a manutenção de quadros intermediários quer na política, quer nas organizações burocráticas. A rádio livre rompe com o bloqueio, com a condução e com a exploração do intermediário entre o regional e o nacional e entre esse e o internacional. A dinâmica proporcionada pelo seu exercício amplia constantemente o universo da compreensão e os desejos e necessidades que levam grupos e indivíduos a se expressarem por um meio de comunicação, não podendo, portanto, se enquadrarem em controles e normas conceituais. É por isso que seu ponto de apoio é a liberdade de expressão que não devem ser controladas por organizações representativas, mas necessitando, sobremaneira , do apoio de organizações solidárias sensíveis aos direitos fundamentais do homem . A desobrigatoriedade faz com que as rádios livres surjam e desapareçam conforme o esvaziamento de suas propostas ou o desdobramento de suas ações nos diversos campos da atividade social. A rádios livres podem encontrar amparo em decisões judiciais ampliando o espirito democrático para dentro do judiciário. As rádios livres devem ser julgadas na singularidade de cada projeto sob os olhos da liberdade de expressão, do apoio da coletividade, da atividade regional, da finalidade cultural sem fins lucrativos. As rádios livres são parte do movimento democrático e devem servir para excitar e libertar outras atividade que fazem parte de seu conteúdo e do conjunto da sociedade.


Em Radio Comunitária a preocupação e com a conquista da posse e da propriedade do meio que as incluam nas atuais regras e normas das Leis de Comunicações. Por esse motivo os interessados nas rádios comunitárias buscam se organizar em grupos distintos, segundo os seus interesses políticos ou econômicos. É por esse motivo que as rádios comunitárias fazem parte de redes pertencendo ao campo ideológico de organizações religiosas, seitas, partidos políticos e, ainda, de pequenos e médios empresários excluídos da área de influência para obtenção de concessão dos tradicionais meios de comunicação eletromagnéticos. As organizações que congregam esses interessados procuram se representar em projetos que oficializem suas atividades através de parlamentares. Essa relação é pautada na troca voto/aprovação ou influência política. Nesse sentido as rádios comunitárias caminham para a legalização e, como conseqüência, para as mãos dos atuais proprietários dos meios tradicionais da comunicação eletromagnética que percebem a possibilidade de expansão ou manutenção de sua influência política regional. Assim as emissoras de baixa potência, que teve seu inicio na desobediência civil, vai sendo assimilada pelo Status Quo, se organizando de cima para baixo.


A legalização através de concessões ou permissões não dependerão mais do interesse ou não do ouvinte ou da comunidade em que ela está inserida, a exemplo do que acontece com as rádios oficiais , dependerão, exclusivamente, do proprietário ou proprietários da concessão ( essa é a noção de posse). Portanto, ainda que não despertem interesse do público, da comunidade, ainda que se tornem apenas aparelho de grupo político partidário ou econômico, podem continuar no ar até que se acabe o contrato oficial com o governo.


A busca pela legalização é o reconhecimento da ilegalidade. A rádios livres se pautam na legitimidade e, caso as rádios comunitárias sejam legalizadas, o confronto entre as duas correntes se dará inevitavelmente. Nesse sentido é possível que as irradiações livres passem a ser alvo de denúncias das comunitárias o que leva a crer que essas farão parte do que foi e ainda está sendo combatido pelos cidadãos que ousaram a enfrentar o monopólio dos meios de comunicação. Assim as rádios comunitárias estabelecidas legalmente passarão a fazer parte do contexto das emissoras tradicionais, não contestando o conteúdo e se adaptando a política da comunicação tradicional no Brasil.


O legalismo que assolou parte do movimento pela democratização dos meios de comunicação no Brasil ignorou que a democratização do meio não é um fim em si mesmo. Essa posição pode ser notada na medida em que a questão dos equipamentos e da tecnologia que fazia parte do processo de democratização do conhecimento tecnológico e científico volta ao monopólio dos equipamentos homologados cujas montadoras e importadoras, disfarçadas em fábricas, em nada contribuiu para o desenvolvimento tecnológico e assimilação desse conhecimento no Brasil. Foi a partir das Rádios Livres e dos seus equipamentos caseiros ( hoje digitais com tecnologia de ponta) que se instalou milhares de emissoras no país.